quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

SEU PÁDUA por Carlito Lima

Depois que o prefeito Amphilóphio Mello, mais conhecido como poeta Jayme de Altavilla construiu o coreto na Avenida da Paz em 1926, a burguesia de Maceió foi se mudando aos poucos para a praia da Avenida no embalo do modismo do banho salgado, como era chamado o banho de mar. Nos anos 40/50 a Avenida da Paz passou a ser a moradia chique da cidade.
Ronaldo Cardoso, ex-vizinho, deu-me um presente: relação dos moradores da praia da Avenida da Paz e adjacência nos anos 40/50/60. Examinando com carinho essa preciosidade lembrei-me daquelas famílias que povoaram minha juventude e povoam minhas lembranças.
A moçada depois da praia, do futebol e do almoço, estirava o corpo à sombra na calçada da travessa que liga a Avenida da Paz à Rua Silvério Jorge (hoje Travessa Emílio Cardoso). Entre 2:00 e 2:30 h. da tarde passava Seu Primitivo com o carrinho de sorvete, sempre duas qualidades: coco e goiaba, coco e mangaba. A turma se deliciava enquanto comentava as brincadeiras, jogos, falando alto, de maneira anárquica, como são os jovens. Na casa de esquina da Avenida, onde hoje funciona o restaurante Carne do Sol do Picuí, morava Seu Pádua, cabelos embranquecidos pelo tempo, rosto oval, vermelho, vestido em roupas grossas e rotas, camiseta branca, sempre de tamancos. Ele vivia de rendas e juros, era usurário. Grotesco e ingênuo, tinha apego satânico ao dinheiro. Emprestava aos bacanas da época. Seu Pádua detestava e emburrava com nossa algazarra embaixo de suas janelas. Muitas vezes reclamava com palavrões. Éramos dez ou doze meninos. Na hora do reclamo exaltado, a moçada respondia com um sopro barulhento saído entre os lábios protegidos pela mão, o popular porrote. Ele ficava brabo xingava e se retirava da janela.
Certa tarde apareceu um homem alto, louro, vestido num terno branco de linho irlandês, sotaque carioca, com um grande embrulho no braço. Bateu na casa de Seu Pádua pedindo uma conversa confidencial. Seu Pádua curioso com a visita inusitada mandou o homem entrar e levou-o para uma sala. O cidadão não perdeu tempo em explicar: Vinha da capital do país, o Rio de Janeiro, com credencial do Ministério da Fazenda para mostrar a novidade a algumas pessoas escolhidas em Alagoas. Já estivera como o governador e outras autoridades que indicaram o nome de Seu Pádua. Educadamente pediu licença e desembrulhou uma caixa de madeira. A caixa tinha um furo horizontal na frente, outro atrás. De lado uma manivela e em cima uma espécie de funil. Depois de alguma conversa o carioca mostrou para que servia aquela geringonça. Tirou um caderno “Avante” da bolsa, rasgou uma página em branco, introduziu-a na abertura horizontal traseira, rodou a manivela. A folha de papel foi desaparecendo dentro da caixa. Depois de mais algumas maniveladas foi aparecendo, saindo da abertura da frente um pequeno pedaço de papel com uma coloração forte em azul e verde. Com outras maniveladas deu para distinguir surgindo da fenda uma nota novinha de CR$ 10,00 (dez cruzeiros). Ela caiu como uma folha seca na mesa. Seu Pádua ficou maravilhado olhando para Palocci, o vendedor, que calado, alimentou novamente o buraco traseiro com nova folha de papel de caderno, colocou azeite no funil, advertiu que a máquina tinha que estar sempre azeitada, rodou a manivela, caiu mais outra nota de Cr$ 10,00. Depois de repetir sete vezes a operação, com Cr$ 90,00 na mão, iniciou a venda altamente secreta do equipamento com Seu Pádua. O preço da máquina de fazer dinheiro era apenas oito contos (Cr$ 8.000,00). Em 10 prestações de Cr$ 800,00. Como garantia, Seu Pádua, tinha que assinar as promissórias e pagar, em dinheiro vivo, as duas últimas parcelas no valor de 1,6 contos. Acertaram tudo, sem contestação. O avarento só pensava no ganho fácil. Palocci recebeu os Cr$ 1.600,00, apertou a mão do velho canguinha, disse que ele tinha feito um excelente negócio, exigiu segredo e tomou a rua.
Seu Pádua imediatamente voltou. Estava eufórico, empolgado, sozinho, ansioso. Levou o equipamento para seu quarto e iniciou a operação com a máquina fantástica de fabricar dinheiro. Entrava o papel branco de caderno, saía cr$ 10,00 (dez cruzeiros). Encantado, feliz, repetiu por 11 vezes a operação. Na 12ª virada ouviu-se um “creque”, a maquina enganchou. Tentou várias vezes, repetiu a operação como Palocci ensinou; não saiu mais dinheiro. Com mais de uma hora de tentativa, Seu Pádua estava desesperado. Lembrou-se do azeite, deu um grito para empregada: “Chiquinha traz o azeite!!!”. A empregada custou a aparecer. Seu Pádua gritou novamente tão alto que a moçada ouviu na esquina: “Chiquinha traz o azeite!!!!”
Finalmente a empregada levou a lata de azeite. Ele recebeu com a mão por fora da porta semicerrada. Reiniciou a operação, derramou o óleo no funil, rodou a manivela e nada do dinheiro aparecer. Passou o resto da noite na tentativa, sem querer acreditar que havia caído no conto do vigário. Quando desconfiou da trapaça, Maldisse e xingou o vigarista do Palocci. Só conseguiu dormir altas horas da noite.
No outro dia, quando teve certeza do embuste, foi conversar com meu pai, contou a história com detalhes. Eu ainda ouvi quando papai falou que se ele fosse na delegacia, podia também ser preso.
À tarde toda molecada já sabia da trapalhada. Emílio Cardoso e Lelé, seus inimigos nº 1, não perdoaram, passaram por muito tempo gritando na esquina: “Chiquinha traz o azeite, Chiquinha...” e ouvindo Seu Pádua xingar com seu palavrão predileto: “Vá se fuder, seu filho de uma puta...”

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