sexta-feira, 27 de abril de 2012

ZEZÉ, O CONTADOR DE HISTÓRIAS por Carlito Lima

De seus 80 e poucos anos Zezé mantém a dignidade profissional de barbeiro, elegante, bem humorado, recebe os velhos e novos amigos no salão no centro da cidade. É prazeroso cortar cabelo com o octogenário conhecedor e vivedor da cidade, testemunha viva da história nesses últimos setenta anos. Durante o corte de cabelo Zezé sempre conta uma história interessante, atual ou antiga. Nos anos 50/60 seu salão ficava em frente à Assembléia Legislativa, ele testemunhou brigas e tiroteios, feitos bélicos presentes na histórica política das Alagoas. Zezé assistiu ao duelo de revólveres em punho, entre o deputado Oséas Cardoso e os irmãos Pinho, resultando uma morte, Policarpo Pinho. Ele foi testemunha do grande tiroteio na Assembleia Legislativa no dia 13 (sexta-feira) de setembro de 1957, deputados da oposição e do governo se guerrearam durante a votação do impeachment do governador Muniz Falcão. Ao iniciar o tiroteio de pistolas e metralhadoras, os curiosos que se encontravam na Praça Pedro II correram para onde puderam, muitos entraram no salão do Zezé procurando abrigo.

Zezé sempre exerceu com amor e competência a profissão de barbeiro, entretanto, nunca negligenciou suas horas de lazer curtindo o que mais gosta, um bom futebol e conversas de botequim com cervejinha gelada. No tempo de soldado do 20º Batalhão de Caçadores jogou do time do Exército ao lado do caceteiro Tomires, grande zagueiro, por muitos anos jogador do Flamengo. Zezé era assíduo ao futebol de praia dos Perrelli na Avenida da Paz. Todo domingo, os irmãos Perrelli, filhos de italiano, organizavam a pelada com traves, camisas, bola, juiz, durante a manhã era a maior atração na praia da Avenida. Havia fila para jogar na pelada dos Perrelli.

Ainda hoje Zezé corta o cabelo dos companheiros do futebol de praia, tem amizade com magnatas e remediados da cidade, contudo, sua maior virtude é saber contar histórias com bom humor e sabedoria. Zezé é fonte de minhas crônicas semanais. Ao sair do salão de Zezé me sinto bonito, cabelo bem cortado e empolgado com as histórias fantásticas de Maceió nos anos dourados.

Sexta-feira passada ao me sentar na cadeira, Zezé informou, quem estava a pouco na cadeira onde me sentei foi Lelo, grande boêmio, amava a zona, gostava duma rapariga, vivia nos cabarés. Naquela época a dona da noite era Railda, cafetina braba, olhar severo, nariz adunco, competia com o famoso Mossoró nas noitadas da cidade. Muita lenda se conta de Railda. Zezé não se fez de rogado contou a história de Lelo. 

- “Assim que as boates de rapariga de Jaraguá subiram para o Tabuleiro e Canaã, Railda alugou uma casa, um sítio na Avenida Fernandes Lima. Arrumou a boate, contratou conjunto musical para os clientes dançarem com suas meninas, mulheres bonitas escolhidas entre as melhores raparigas da cidade. Havia disputa com Mossoró, outro dono da noite. A cafetina não admitia sequer comentários elogiosos às meninas do concorrente. Certa noite Lelo bebia com amigos na Boate Areia Branca, mesa vasta de bebidas e mulheres, para puxar o saco do Mossoró, Lelo falou alto para quem quisesse ouvir, as mulheres da Railda eram umas merdas e a cafetina de tão bêbada havia mijado de pernas abertas feito uma égua. Railda soube do ocorrido, da manifestação, da preferência raparigueira de Lelo.

Numa sexta-feira, noite de impreterível visita dos boêmios à zona, Lelo tomou algumas cervejas no bilhar da Rua do Comércio, convidou os parceiros: “Vamos às raparigas”, subiu com amigos para noitada. Assim que entrou no sítio da Railda levou uma tapa, caiu no chão, as meninas buscaram um penico já preparado cheio de cocô e xixi derramaram sobre o coitado, deitado, pedindo socorro enquanto as raparigas lhe enchiam de porrada, foi preciso um amigo intervir com um revólver. Railda e suas raparigas suspenderam a surra. Lelo foi levado cheio de pancada numa Kombi para um banho no Riacho Catolé, a Kombi ficou fedendo à merda por mais de uma semana. Depois de alguns meses Lelo fez as pazes com Railda e continuou assíduo cliente.”

Com detalhes precisos Zezé contou essa história, teria outras se não tivesse terminado o corte de cabelo.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Simplesmente, para assuntar: - uma presunção imune ao passado por Murillo Mendes



Não sei, mas os tempos, hoje, estão mudados; supinamente enviesados, desviados, seguindo outras rotas, sem contenção, fugidios dos freios e das cautelas do passado; convertendo-se em libertinos (?)... Não! Na realidade, não são tempos essencialmente libertinos, que não me compraz a possível ofensa; mas, inquestionavelmente, tempos libertos, em sua mais ampla acepção vernacular e ideológica. Que resulta disso, desses tempos simbiônticos, dessas associações que se fazem destemperadas e temerárias ao olho e aos sentires adstritos aos que “já eram”?

            Lembro-me, com naturalidade, como algo do meu passado que não se foi, que me integra, que é parte viva e indissociável do meu eu, do tempo em que desfrutávamos a bela e inigualável praia da Avenida da Paz. Do branco neve de suas refinadas areias, da limpidez de suas águas mornas – espelho autêntico do céu imenso que as cobria, colorido-as em tons ora azuis, ora verdes, sempre puras, exuberantes e saudáveis, oferecidas a todos nós que as procurávamos.

            Eram tempos de traquinadas indômitas, mas inocentes, quase sempre; tão ao feitio dos que, então, mal se iniciavam na adolescência. Das excursões curiosas e pacíficas – ou incursões (?) – ao famigerado Morro Tomix que, do Sobral, ao longe, nos alvoroçava, desafiando-nos...  Pois bem, deixávamos nossas “nevadas” areias, a limpidez das águas da Avenida e marchávamos, sem o conhecimento e sem a autorização de nossos pais, para ocupar o ousado morro de brancas areias, às vezes compurscadas por rala e espinhosa vegetação a desenhar-lhe figuras que iriam povoar nossa ingênua imaginação, estimulando-nos à aventura.

            Antes da lá chegarmos, ultrapassávamos o marco final da Avenida – o Clube Fênix Alagoana, defronte ao qual nossa bucólica praia assumia fisionomia de indisposição e de ferocidade com seus possíveis banhistas, mercê de suas piscinas submersas, perigosas e trágicas; na realidade, traidores buracos, afetados por fortes e invisíveis correntes marinhas que, convertidas em redemoinhos, não davam chances aos incautos usuários. Depois de atravessarmos a originária foz do Riacho Salgadinho (que, naquela época, se encontrava naturalmente com o mar, bem perto do nosso desafiante morro), a ele chagávamos.

Logo tomávamos posse desse elevado reduto e dele tirávamos as vantagens de infantes conquistadores. Nele, esquiávamos sem cansaço, equipados com tibacas de coqueiro, até que chegasse a hora de voltamos para casa. Esses cangaços eram nossos improvisados esquis. Naquele tempo, embora traquinas, tínhamos limites... e os respeitávamos, quase sempre. Nossos pais, sempre, foram nossos espelhos, e nós, neles, nos refletíamos. Sempre que os contrariávamos, pagávamos, como devido, o preço da insurreição.

            Ocorre, todavia, que éramos para além do conhecimento de nossos pais... Também, exímios armadores e navegadores intimoratos. Fazíamos nossos barcos, utilizando madeira de caixões de cebola, de sabão e de querosene (naquela época, cebola era encaixotada), e do pano de saco que acondicionava a farinha de trigo (naquele tempo, gente pobre dele se vestia)... Construíamos sua quilha com a madeira desses caixotes, guarnecendo-a com o tecido dos sacos, calafetando-os e pintando-os com piche; às vezes, amenizado por resto de coloridas tintas ao nosso eventual dispor. Navegávamos o salgadinho nos dois sentidos. A montante, até as proximidades da Cacimba do Braga (hoje, um posto de gasolina), passando pela ilha das cobras e por baixo da ponte do trem na Buarque de Macedo. A jusante, marginando os sítios da viúva e do Aguiar, ultrapassávamos a ponte da Sinimbu, sob o passar dos saudosos bondes da CFLNB, indo em frente, costeando os paredões da Fênix (naquele tempo não havia, ainda, o seu ginásio, nem seu parque aquático) até a sua foz.

            Éramos “bambas”, porquanto jamais tivemos um naufrágio, jamais houve vítima dessas inebriantes aventuras. Entre os armadores/navegantes não houve náufragos, todos os que, ainda, não se foram, chamados pela natural e incontornável volúpia da morte, estando vivos, poderão atestar a veracidade desse relato, inclusive de nossa apreensão e inconformidade com os fazeres e dizeres sem fronteiras e sem disciplina, imperantes nos dias atuais.

            Toda essa lúdica digressão, para exaltar os filhos que fomos, sempre dóceis com os pais, para dizer que os tempos, realmente, são outros. Em alguns casos, lastimavelmente, sem limites e sem amenidades; ríspidos e acres com o viver e ser com responsabilidade. Primordialmente, quando o injustiçado é sobejamente conhecido. Por essa injustiça, tão cortante, que agride e desconhece a própria presunção “juris tantum” que deve prevalecer e militar em favor de quem não se conhece; pelo menos, até prova em contrário...

Resta-nos, apenas, lastimar, Valendo-nos, para tanto, do grande Cícero, para exclamar: – Oh tempora, oh mores!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

FOTOS - reunião de 20-abri-2012



Restaurante CARLITO na orla da ponta verde: Encontro com o Géo. PRESENTES:
Mardem, Tinho e Géo Bentes, Carlito, Quico, Sérgio Nobre, Eduardo Damasceno, Ricardo Braga e Lelé


quarta-feira, 18 de abril de 2012

SAUDAÇÕES CAETÉS por Virgílio Agra

Nos idos de 1920, em Maceió, foi construída uma avenida iniciando-se na Praça Sinimbu, ligando o centro da cidade à região portuária de Jaraguá. Como a obra foi concebida em homenagem ao fim da Primeira Guerra Mundial, foi batizada com o nome de Avenida da Paz. Dotada de uma pista larga, inicialmente iluminada por lampiões, contando com um largo calçadão e emoldurando uma das mais bonitas praias do estado, esta via foi, durante muitos anos, um dos endereços mais cobiçados da capital caeté. Suas casas abrigaram e viram nascer várias personalidades que se destacaram no cenário político e cultural de Alagoas como o poeta Mendonça Júnior e o seu filho o jornalista Mendonça Neto, os escritores Américo e Carlito Lima, o poeta e historiador Jaime de Altavila, além do cineasta Cacá Diegues, hoje reconhecido no país inteiro.


Na última semana tive o prazer de me deliciar com a leitura de um livro, presente de natal da minha esposa, intitulado "Meninos da Avenida". Trata-se de uma coletânea de crônicas, escritas pelos próprios protagonistas, alguns citados acima, retratando sua infância nos tempos em que moravam na Avenida da Paz entre os anos 50 e 60. É o tipo de livro que a gente começa a ler e não consegue parar e, sinceramente, dá uma tristeza danada quando acaba. Apesar de eu nunca ter morado nessa Avenida, eu me emocionei e ri com muitas das suas histórias e seus personagens, até porque esse livro trouxe à minha mente passagens da minha infância que eu nunca esqueci.

Quando criança, poucas vezes tive oportunidade de vir à capital do meu estado e, para quem era do sertão, lá da Ribeira do Panema, vir a uma cidade grande era um passeio irrecusável e invejável. Os prédios, o movimento frenético nas ruas centrais, a quantidade de carros, tudo me encantava, mas, além disso, lembro-me também que meus pais me levavam para ver o mar. Naquele tempo a região das praias de Ponta Verde e Jatiúca era apenas um imenso coqueiral e não havia vias de acesso, foi, portanto, na Avenida da Paz de onde pela primeira vez eu vi o oceano Atlântico. Eu olhava aquela imensidão e ficava me perguntando, porque eu não conseguia ver o outro lado daquele rio enorme. Nessa época, enquanto os "Meninos da Avenida" reinavam na Avenida da Paz e na sua paralela, a Rua Silvério Jorge, Tio Natalício, irmão de vovô, morava com Tia Ivete e sua cunhada Creusa naquelas imediações, só que mais próximo à Praça Sinimbu. Sua casa ficava de frente a uma praça bem pequenininha, ao lado do antigo Restaurante Universitário que eu tanto frequentei nos tempos de estudante.

Numa dessas viagens a Maceió, quando eu tinha entre 5 a 6 anos de idade, minha mãe resolveu fazer uma visita ao seu tio e me levou junto. Chegando lá pedi logo a benção, porque se assim não fizesse era uma demonstração de falta de respeito e educação. Minha mãe começou a conversar com os tios e como na casa não havia outras crianças para eu brincar nem eu podia me meter em conversa de adulto, comecei a ficar entediado. Percebendo a situação e querendo me agradar, Creusa me convidou para passear. Segurando na minha mão atravessamos a Praça Sinimbu onde fizemos uma breve parada para que eu me divertisse olhando uma fonte com a estátua de um menino urinando que era chamado de "Mijãozinho". Em seguida caminhamos em direção à Avenida da Paz. Atravessamos o calçadão e finalmente pisamos na areia da praia. Naquele tempo a indumentária dos meninos da minha idade era cabeça raspada, calça curta e sandália japonesa. Quando pisamos na areia fina e bem branquinha me atrapalhei um pouco com as sandálias, mas prosseguimos até alcançar a areia batida e plana da Praia da Avenida. Creusa pediu que eu tirasse as sandálias e caminhamos mais um pouquinho até o ponto em que a água alcançava nossos pés. Era a primeira vez na minha vida em que eu tive contato com a água salgada do mar. As ondas quebravam um pouco mais adiante e chegavam até nós se esparramando sobre a areia plana da praia. A cada onda que chegava eu olhava para os meus pés me admirando com o fluxo d'água que vinha e depois voltava sempre retirando um pouco da areia sob os nossos pés fazendo com que afundássemos suavemente. Foi uma experiência inesquecível e, apesar da minha empolgação, confesso que não larguei a mão de Creusa um só instante.

Certa ocasião, eu ainda era criança, passamos uma noite em Maceió e fomos à Avenida da Paz para ver um desfile festivo, carnaval talvez. Se alguém me perguntasse o que houve nesse desfile eu não saberia responder, porque a coisa que mais me chamou a atenção naquela noite foi uma quantidade enorme de luzes que eu via na escuridão do mar. Lembro-me que perguntei:

- Mamãe, que cidade é aquela?

- Não sei. Acho que é Marechal Deodoro.

Apesar da pouca idade eu percebi que tinha algo que não se encaixava e voltei a perguntar:

- E porque durante o dia a gente não vê?

- Acho que é porque é muito distante e só à noite conseguimos ver as luzes.


Éramos forasteiros na cidade e minha mãe sabia que aquela cidade histórica era próxima, mas, mesmo sem saber exatamente onde ficava, acho que ela me respondeu assim, porque sabia que me deixar sem resposta poderia ter um resultado muito pior. Eu terminei por aceitar, mas, de costas para o desfile, não tirava os olhos daquele aglomerado de luzes que cintilava no mar. Muitos anos depois, quando estudava Engenharia Civil na Universidade Federal de Alagoas, passeando naquele calçadão com aquela que viria a ser a mãe de minhas filhas, me lembrei daquela noite e compreendi que as luzes que brilhavam eram navios fundeados que aguardavam para carregar de açúcar, o principal produto da economia alagoana.


Os "Meninos" contam que, por ser bastante plana, quando a maré estava baixa, a Praia da Avenida era um imenso campo de futebol, mas uma brincadeira que eles gostavam muito de praticar era a guerra de trincheiras com bolas de areia e, na hora de dar um mergulho, podiam escolher entre as águas salgadas do mar ou doces do Riacho Salgadinho que desaguava ali bem pertinho, porque ambas eram limpas e cristalinas. Na época em que tive o meu primeiro contato com o mar os "Meninos da Avenida" já eram adultos, alguns frequentavam a universidade e outros já estavam até formados, enquanto que eu era apenas uma criança de calças curtas. Eu nunca joguei futebol naquela praia, nunca participei das guerras de bolas de areia, também nunca tomei banho nas suas águas nem nas do riacho, mas me lembrando daquela manhã em que Creusa me levou para andar naquela praia, num dia qualquer do final da década de 60, pude entender porque eles eram tão felizes.

Com o passar dos anos o Riacho Salgadinho virou um verdadeiro esgoto a céu aberto, poluindo e tornando imprópria para banhos a mais bela das praias de Maceió. A casa de Tio Natalício foi demolida, só sobrou o terreno, e seus antigos moradores já passaram para a eternidade. O Porto de Maceió foi modernizado, passando a receber navios maiores podendo carregá-los de forma mais rápida, diminuindo assim a grande quantidade de embarcações que tinham que esperar ao largo. Em compensação, eu finalmente descobri a localização exata da cidade de Marechal Deodoro, a antiga capital de Alagoas.

Meus amigos. Despeço-me desejando que todos tenham uma boa páscoa e, onde cada um de vocês estiver, espero que suas vidas sejam como uma grande avenida de...

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra