quarta-feira, 28 de outubro de 2009

À MINHA IRMÃ IRACILDA CARDOSO por Sônia Cardoso

Pediram-me para escrever algumas linhas sobre Iracilda Cardoso, minha querida irmã falecida recentemente. Começo, então, reportando-me a uma constatação de nosso amigo Ricardo Peixoto, quando a ela se referiu, em conversa com meu irmão Alberto: “Iracilda foi o baluarte da família Cardoso”.


Sim, foi Cidinha (apelido carinhoso que os sobrinhos lhe deram) que, após a morte de nosso pai Emílio, e ao lado de nossa outra irmã, Elza, nos deram o suporte financeiro necessário para prosseguirmos (07 irmãos e nossa mãe Elizabeth) em nossa caminhada, sem que nada nos faltasse.

A batalha das duas, logo no começo da manhã, tinha um único endereço: a loja de móveis que meu pai deixara na Rua do Comércio.


Enquanto a gente estudava, brincava e tomava banho de mar sem se preocupar com as contas, Iracilda e Elza labutavam entre promissórias, duplicatas, estoques de mercadorias, balanços e outras contabilidades.


Tempo depois, Elza casa com o Zé Barbosa e Leda assume por um tempo o seu lugar, ajudando Iracilda em sua missão, pois era preciso dar continuidade, os irmãos tinham que estudar e se formar. E foi o que aconteceu, todos os irmãos se graduaram em curso superior, cada qual em sua especialidade. Determinada e perseverante, ela, ao lado de minha saudosa mãe, deram conta do recado: a família Cardoso estava criada, pronta para andar com suas próprias pernas.


Vale ressaltar que, mesmo sendo esteio, Iracilda foi também um ombro amigo, pronta para um conselho, uma ponderação, nunca perdendo a serenidade e a doçura que seu sorriso transmitia, quando alguém dela precisava.


P.S. Iracilda faleceu em 15/10/09, na mesma data em que se comemora Santa Tereza D’Ávila. A oração que se segue, de autoria da referida Doutora da Igreja, era uma das suas preferidas.


“Nada te perturbe

Nada te amedronte.

Tudo passa

A paciência tudo alcança

A quem tem Deus

Nada lhe falta

Só Deus basta”

domingo, 18 de outubro de 2009

CAPIXABA por Humberto Gomes de Barros

Há dois meses, minha geração sofreu sensível desfalque: sepultamos, aqui em Brasília, Oswaldo Carlos Rego do Couto. Para nós, amigos de infância ele era, simplesmente, Capixaba – apelido que ofuscou o ilustre nome de batismo. Filho de militar, nascera no Estado do Espírito Santo, onde seu pai servia. Foi, entretanto, criado em Maceió, tornando-se alagoano de corpo e alma. Sólido e musculoso, não levava desaforo para casa. Gostava de briga – e como brigava! Soco de sua mão direita era queda certa. Já adulto, travou histórico duelo com Porreta – homossexual corajoso e violento – versão alagoana do temido Madame Satã. Carlito Lima, em recente crônica, traçou a saga desse acontecimento.
Fomos colegas no Colégio Guido de Fontgalland. Estávamos no quarto ano primário. Nossa professora era Dona Maria Botelho. Certo dia, após escrever no quadro-negro uma questão de aritmética, ela fez uma proposta: “Quem resolver esse problema ganha dez”. Aceitei a provocação. Levantei-me e dirigi-me ao quadro. No caminho, passei pela carteira em que sentava Lindinalvo – um sujeito grandão, bem mais velho que eu. Em tom de menosprezo, ele me disse: “Vai lá, Lambaio”. Sem perder o passo, respondi: “Cala a boca, larápio!”. Lindinalvo virou fera. É que, justa ou injustamente, pesava sobre ele acusação de furtar objetos deixados a seu alcance pelos colegas. Descontrolado, ele se levantou e partiu para mim. Ia atingir-me pelas costas. Percebi sua aproximação e virei-me para ele. O golpe passou sobre minha cabeça. Antes que outro tapa fosse armado, adiantei-me e acertei em cheio. Deixei-lhe, na cara, a marca de meus dedos. Além do tabefe, Lindinalvo ganhou um castigo: Dona Maria Botelho colocou-o, por vários minutos, de pé, voltado para a parede. Após o castigo, Lindinalvo ameaçou-me: “Vou pegá-lo na Rua; vou quebrar-lhe a cara!”.
Fiquei preocupado. Menor e franzino, certamente levaria imensa surra. Restava-me a possibilidade de fugir correndo ou de pedir socorro ao censor.
Em qualquer dessas hipóteses, estaria desmoralizado. Acabada a aula, saí tenso. No portão de saída, Lindinalvo veio em minha direção. Foi aí que Capixaba interveio: “Antes de brigar com ele, você vai ter de bater em mim”. Lindinalvo afinou: “Mas ele me provocou...”.

Mais do que brigão, Capixaba era um imenso gozador. Adorava pregar peças. Reunidas, suas brincadeiras dariam compêndio alentado. Dava gosto ouvi-lo, a contar suas proezas: voz grave e circunspecta, ele fazia os ouvintes morrerem de rir. Carlito Lima bem poderia catalogar essas façanhas. Se o fizer, produzirá saga à altura das aventuras do turco Nasreddin Hodja.
Na última homenagem que lhe prestaram, os amigos homenagearam-no revivendo algumas “histórias do Capixaba”.

Na hora do sepultamento lembrei Manoel Bandeira. Imaginei Capixaba chegando ao céu: igual à velha Irene, ele terá dito a São Pedro: “Dá licença, meu santo?”. O celeste porteiro terá respondido: “Entre, Capixaba; mas não vale molecagem”.


GAZETA DE ALAGOAS - 18-out-2009 - HUMBERTO GOMES DE BARROS - Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, é escritor.