sábado, 6 de junho de 2015

MEU QUERIDO PRIMO WALTER por Carlito



Sábado à noite senti-me atordoado quando Socorrinho telefonou-me comunicando sua morte, uma tristeza profunda me invadiu, chorei, chorei feito um menino, aquele menino que nós fomos. Puxei sua foto no computador, de paletó, sério, como sempre foi na vida. Encarando a foto revi nos vestígios da memória um pouco de nossa história. Nascemos três primos em 1940, Mario Jorge em janeiro, eu fevereiro e você em março. A mais nítida recordação do fundo do baú é 1946, a chegada do navio Itanajé com minha família ao porto de Maceió. 

Tínhamos morado dois anos no Rio de Janeiro, o Capitão Mário Lima retornava à sua terra, alguns dias navegando na imensidão do mar finalmente chegamos a Maceió numa fascinante e luminosa manhã, o mar de um verde azulado, durante o ancoramento olhei ao longe a praia branca cercada por casas pequeninas, mal sabia, era a Avenida da Paz, seria o cenário de nossa infância, de nossa vida. Do navio direto para casa da Vovó Melinha, foi meu primeiro contato com a praia da Avenida. Durante o almoço misturavam-se parentes e amigos, lhe conheci, meu querido primo, você foi meu primeiro amigo de infância. Depois do almoço a grande família colocou cadeiras em baixo das amendoeiras, conversas, sorrisos, sonhos. Nós fomos brincar no coreto da Avenida, pulando abaixo, jogando futebol, corremos a praia de areia branca, molhamos os pés naquele mar que seria meu mundo.


        Meu pai alugou uma casa na Avenida, aos domingos, você, Mario Jorge e Warren vinham à praia, antes do banho de mar, jogar futebol na areia quente, brincar na Avenida, nossa praia, éramos os donos da Avenida.


   Muitas vezes o centro de nossas brincadeiras foi sua casa, centro de Maceió, Rua da Alegria 61. Todo dia 1º de janeiro, aniversário de sua irmã, Vânia, uma festa a correria perto da Rua do Comércio, inesquecível a Sorveteria Xangai de Seu Fon, sinto ainda o paladar, o sabor do crocante sorvete de chocolate.


      Certa vez inventamos de organizar um time de Futebol, Atlântico Futebol Clube, camisa branca com faixa vermelha no peito. Jogávamos todo sábado. Seu tio Mário, meu pai, era coronel do 20º BC, facilitava o jogo naquele campo maravilhoso. Inventávamos campeonato, contra times do Farol, Poço, Pajuçara. Você jogava com um gorro enfiado na cabeça, moda naquela época, melhorar cabecear ao gol. Quando ganhávamos  na terça-feira saía na Gazeta de Alagoas: "Vitorioso o Atlântico, batido o Palmeiras por 5 x 3". Quando perdíamos nosso repórter esquecia de passar a notícia.

Infância, livre, leve e solta, juventude alegre, saudável, hormônios à flor da pele. O homem é o produto do meio, levamos nossa infância por toda vida dentro de nós, agora, Walter, primo querido, você levou a feliz infância para a eternidade. 


Certa vez, você me convidou a estudar matemática com o professor Benedito de Moraes na Praça das Graças. Assistíamos as aulas juntos, ganhamos muitos lápis acertando problemas, tenho forte base matemática, raciocínio lógico, cartesiano, graças ao Professor Benedito, graças a você, meu primo. Tomamos rumos diferentes, fui para Escola Militar, você para escola de Medicina, tornou-se competente médico, o primeiro cirurgião pediatra das Alagoas. Eu tinha maior orgulho. Encontrávamos sempre nessa Maceió, certa vez você me confidenciou, ia noivar com Marta.

 Ao nascerem meus filhos você os pegou, acompanhou-os o resto das vidas, assim como milhares de crianças nessa cidade. Walter você foi cedo, 75 anos, entretanto, nos deixou o legado de sua honestidade, seu amor à medicina, às crianças, e nos deixou ainda seus filhos Ana Paula, Walter, Danilo, Eduardo, e a Betinha.

É isso mesmo, primo velho, tem de ter coragem para viver dignamente, a única certeza da vida é a morte, aliás, é a única niveladora da igualdade humana. Certa vez li um livro de Hemingway, iniciava com um poema de John Donnne, diz mais ou menos assim. "Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."

  Ouço os sinos, dobram por mim, até mais ver, querido primo.
 

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