O Bar Colombo na Rua do
Comércio era ponto de convergência de intelectuais, políticos, artistas,
boêmios e outros desocupados nos anos 40/50. Meu pai, um frequentador de fim de
tarde, às vezes levava os filhos. Sentava à mesa com amigos, pedia cerveja e
mandava servir para os meninos sanduíche de fiambre e queijo do reino
acompanhado de caldo de cana.
No Bar Colombo conheci Jocão. Afamado
contador de histórias, o maior mentiroso das Alagoas. Alto, moreno, elegante,
vestia invariavelmente paletó branco. Todos gostavam do Jocão. Ao chegar, escolhia
uma mesa onde não houvesse possibilidade de pagar a conta, arrastava a cadeira
e sentava.
Os boêmios logo perguntavam pelas novidades. Era a senha para Jocão, com
sua fértil imaginação iniciar uma fantástica trama inventada na hora.
No dia que o conheci, contou sua sorte em ser o maior criador de codorna
do Brasil. Sua fazenda exportava codorna e ovo para todo mundo. Tudo começou
com uma visita que fez a Pedrinho Peixoto, coletor estadual de Fernão Velho. Na
despedida Pedrinho embrulhou alguns ovos de codorna num pedaço de jornal e deu
para Jocão cozinhá-los em casa. Ele colocou o embrulho no bolso do paletó.
Passou-se um mês quando Jocão ouviu alguns fortes piados no seu quarto,
investigou de onde vinham aqueles pios de ave. Ao abrir o guarda-roupa desvendou-se
o mistério: no bolso do paletó, estavam oito bugrelos nascidos dos ovos de
codorna, o presente de Pedrinho esquecido no bolso do paletó. Ele retirou os
bugrelos, deu de comer pirão de farinha de mandioca. Os bichinhos foram
crescendo. Reproduziram-se com tanta rapidez que ele teve de colocá-los em sua
fazenda. Já era considerado o maior produtor de codorna do país, talvez do
mundo. Tudo por mera casualidade, devia o favor, ao amigo Pedrinho.
Depois de contar a mentira, Jocão sentia-se à vontade entre os amigos,
pedia mais cerveja e tira-gosto. Pagava a conta com suas fantasiosas histórias.
Nos tempos da II Guerra Mundial, muitas vezes Maceió entrava no
“black-out”. Todas as casas, todas as ruas apagavam as luzes. Carros e ônibus
não circulavam. A cidade ficava totalmente às escuras se precavendo de um
ataque aéreo ou de submarinos alemães. Havia uma rigorosa fiscalização pela
defesa civil procurando alguma falha, alguma luminosidade para corrigir.
No final da tarde seguinte a um desses
rigorosos “black-out” Jocão apareceu no Bar Colombo, sentou-se entre os
apaniguados, foi contando.
“Eu
quase não dormi nessa noite de black-out, os aviões da fiscalização sobrevoaram
o tempo todo minha casa. Parecia que havia alguma coisa errada. Um avião passou
tão baixo que meu vizinho acendeu o cigarro no fogo do motor do avião. Foi
quando ouvi no rádio, havia um foco intenso de luz na rua onde eu moro. O
locutor pedia para aos populares identificarem esse foco de alta luminosidade e
periculosidade senão os submarinos bombardeavam Maceió. De repente minha casa
foi invadida por soldados do Exército. Tinham identificado uma intensa
iluminação na janela de minha casa. O fato foi esclarecido, a forte
luminosidade era do anel de brilhante de minha mulher que refletia a luz da Lua.
Cheguei a ser preso. Só sai do quartel hoje pela manhã.”
Jocão se aborrecia quando o chamavam de mentiroso. Certa tarde pediram
para ele contar uma mentira. Ficou triste, calado, muito sentido. Chorando
esclareceu, sua mulher havia falecido. Estava no Bar para arranjar algum
dinheiro, uma ajuda para o enterro da esposa. Os boêmios solidários fizeram uma
arrecadação. Jocão embolsou a grana, pegou algumas garrafas de cerveja, um taco
de presunto, foi chorar a defunta.
Um
bêbado e um velho garçom foram escalados para comparecerem ao enterro na manhã
seguinte representando os frequentadores do Bar Colombo. Ao se aproximarem da
casa de Jocão estranharam a falta de cortinas negras nas janelas, costume antigo
em velório na casa do morto.
De
repente Jocão abriu a porta. Eles perguntaram se confirmava a hora do enterro.
Para espanto dos visitantes, nosso herói gritou para dentro de casa: “Bastinha,
venha ver quem veio para seu enterro”.
Sorrindo
esclareceu aos companheiros: “Eles não pediram para eu contar uma mentira?”.
Sua
mulher apareceu dando uma bela gargalhada, convidou aos amigos para uma
irrecusável rodada de cerveja com tira-gosto de charque. A alegre “defunta” se
divertia com as invencionices de seu marido.
GAZETA DE ALAGOAS - Domingo - 12-8-2012
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