quinta-feira, 9 de agosto de 2012

JOCÃO por Carlito


              O Bar Colombo na Rua do Comércio era ponto de convergência de intelectuais, políticos, artistas, boêmios e outros desocupados nos anos 40/50. Meu pai, um frequentador de fim de tarde, às vezes levava os filhos. Sentava à mesa com amigos, pedia cerveja e mandava servir para os meninos sanduíche de fiambre e queijo do reino acompanhado de caldo de cana. 

                No Bar Colombo conheci Jocão. Afamado contador de histórias, o maior mentiroso das Alagoas. Alto, moreno, elegante, vestia invariavelmente paletó branco. Todos gostavam do Jocão. Ao chegar, escolhia uma mesa onde não houvesse possibilidade de pagar a conta, arrastava a cadeira e sentava.

                Os boêmios logo perguntavam pelas novidades. Era a senha para Jocão, com sua fértil imaginação iniciar uma fantástica trama inventada na hora.

             No dia que o conheci, contou sua sorte em ser o maior criador de codorna do Brasil. Sua fazenda exportava codorna e ovo para todo mundo. Tudo começou com uma visita que fez a Pedrinho Peixoto, coletor estadual de Fernão Velho. Na despedida Pedrinho embrulhou alguns ovos de codorna num pedaço de jornal e deu para Jocão cozinhá-los em casa. Ele colocou o embrulho no bolso do paletó. Passou-se um mês quando Jocão ouviu alguns fortes piados no seu quarto, investigou de onde vinham aqueles pios de ave. Ao abrir o guarda-roupa desvendou-se o mistério: no bolso do paletó, estavam oito bugrelos nascidos dos ovos de codorna, o presente de Pedrinho esquecido no bolso do paletó. Ele retirou os bugrelos, deu de comer pirão de farinha de mandioca. Os bichinhos foram crescendo. Reproduziram-se com tanta rapidez que ele teve de colocá-los em sua fazenda. Já era considerado o maior produtor de codorna do país, talvez do mundo. Tudo por mera casualidade, devia o favor, ao amigo Pedrinho.

           Depois de contar a mentira, Jocão sentia-se à vontade entre os amigos, pedia mais cerveja e tira-gosto. Pagava a conta com suas fantasiosas histórias.

           Nos tempos da II Guerra Mundial, muitas vezes Maceió entrava no “black-out”. Todas as casas, todas as ruas apagavam as luzes. Carros e ônibus não circulavam. A cidade ficava totalmente às escuras se precavendo de um ataque aéreo ou de submarinos alemães. Havia uma rigorosa fiscalização pela defesa civil procurando alguma falha, alguma luminosidade para corrigir.

       No final da tarde seguinte a um desses rigorosos “black-out” Jocão apareceu no Bar Colombo, sentou-se entre os apaniguados, foi contando.

       “Eu quase não dormi nessa noite de black-out, os aviões da fiscalização sobrevoaram o tempo todo minha casa. Parecia que havia alguma coisa errada. Um avião passou tão baixo que meu vizinho acendeu o cigarro no fogo do motor do avião. Foi quando ouvi no rádio, havia um foco intenso de luz na rua onde eu moro. O locutor pedia para aos populares identificarem esse foco de alta luminosidade e periculosidade senão os submarinos bombardeavam Maceió. De repente minha casa foi invadida por soldados do Exército. Tinham identificado uma intensa iluminação na janela de minha casa. O fato foi esclarecido, a forte luminosidade era do anel de brilhante de minha mulher que refletia a luz da Lua. Cheguei a ser preso. Só sai do quartel hoje pela manhã.”

                 Jocão se aborrecia quando o chamavam de mentiroso. Certa tarde pediram para ele contar uma mentira. Ficou triste, calado, muito sentido. Chorando esclareceu, sua mulher havia falecido. Estava no Bar para arranjar algum dinheiro, uma ajuda para o enterro da esposa. Os boêmios solidários fizeram uma arrecadação. Jocão embolsou a grana, pegou algumas garrafas de cerveja, um taco de presunto, foi chorar a defunta.

     Um bêbado e um velho garçom foram escalados para comparecerem ao enterro na manhã seguinte representando os frequentadores do Bar Colombo. Ao se aproximarem da casa de Jocão estranharam a falta de cortinas negras nas janelas, costume antigo em velório na casa do morto.

       De repente Jocão abriu a porta. Eles perguntaram se confirmava a hora do enterro. Para espanto dos visitantes, nosso herói gritou para dentro de casa: “Bastinha, venha ver quem veio para seu enterro”.

     Sorrindo esclareceu aos companheiros: “Eles não pediram para eu contar uma mentira?”.

     Sua mulher apareceu dando uma bela gargalhada, convidou aos amigos para uma irrecusável rodada de cerveja com tira-gosto de charque. A alegre “defunta” se divertia com as invencionices de seu marido. 

GAZETA DE ALAGOAS - Domingo - 12-8-2012
     

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