terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

JARAGUÁ por Carlito lima





Jaraguá, porto e mar. A enseada um ancoradouro natural, onde tudo começou. Navios fundeados desembarcavam mercadorias, aventureiros, escravos, comerciantes, marinheiros. A economia da província plantou-se naquele bairro de belos casarões avarandados com balaustradas de ferro em desenhos arabescos, construídos para moradia no andar superior e comércio no térreo. Marinheiros vindos de todos os lugares do mundo movimentaram o local, os arredores do porto se transformaram em bares e biroscas. As famílias se mudaram para outros bairros, os casarões foram transformados em boates e bordéis, onde as serviçais do amor moraram, trabalharam por mais de 70 anos, conservando, mesmo involuntariamente, aquele acervo arquitetônico e histórico, hoje preservado, transformado em área cultural da cidade.

Jaraguá de minha infância querida que os anos não trazem mais. Menino, aprendi a andar nas areias duras da praia da Avenida, aprendi a nadar mergulhando no mar brando, cor indefinida entre azul e verde. Nas noites frescas a meninada tomava conta do calçadão da Avenida da Paz, corria no rouba – bandeira, empurrava no jogo da gata parida, patins e bicicletas faziam a festa. Às 10 da noite a criançada se recolhia, avenida vazia, apenas alguns homens passavam em busca de aventuras nas boates, nos casarões.

Adolescência seminua, pelada de futebol, pesca no Riacho Salgadinho, saltos livres da ponte junto ao belíssimo Hotel Atlântico. À noite os gatos pardos em busca de aventuras depois do namoro comportado na porta da casa. Da namorada apenas beijos roubados ou abraços descuidados. Puberdade, juventude. Excitava a imaginação a fantasiar os instintos. Curiosidade enorme em conhecer, em olhar as boates, os cabarés de chamativas fachadas coloridas em gás néon: Tabaris, Nigth and Day, Alhambra, São Jorge, nós curiosos meninos ouvíamos histórias, contadas pelos mais velhos, de prostitutas bonitas importadas da Europa, França e Bahia. Até que um dia os meninos da Avenida subiram as escadas dos casarões.

Jaraguá dos divertidos roubos de coco nos sítios sem medo da espingarda de sal do vigia, da feira aos sábados, Praça Rayol cheia de poesia de Murilo Mendes. Jaraguá da arborizada Praça 13 de Maio que um dia foi violentada construindo o prédio do SESC, um órgão tão rico, surrupiou da comunidade uma preciosa área verde, a Praça 13 de Maio. Jaraguá dos carnavais saudosos. Sábado de Zé Pereira pela manhã começavam as visitas aos vizinhos tomando laco-paco de maracujá, à noite o grande baile do Jaraguá Tênis Clube iniciava o carnaval de clubes, feliz burguesia. Tênis Clube, onde se jogava também um bom basquete, voleibol, entretanto, predominava o tênis, o mais charmoso dos esportes. Dei minhas raquetadas nas quadras do clube. Assisti gente boa jogar, Zé Elias, Daniel Berard, Maria Esther de saiote branco.

Certo dia, final dos anos 60, a esposa de grande autoridade ao passar, às seis da matina, pelo corredor de boates, surpreendeu um boêmio retardatário fazendo xixi no meio-fio. Em casa exigiu, o marido deu prazo de 60 dias, transferência de todas as boates de Jaraguá para o Canaã. A determinação foi cumprida. Sem os cabarés começaram as derrubadas insanas dos antigos casarões, construindo horríveis prédios modernos. Um grupo de artistas e intelectuais chamou a atenção até que o bairro de Jaraguá foi tombado, ninguém pode mais derrubar qualquer prédio. Em 1991 durante a visita do presidente Fernando Collor a Alagoas, a Associação dos Amigos da Avenida da Paz pediu ao presidente a despoluição do Salgadinho e a restauração do bairro de Jaraguá. Dois meses depois, os projetos estavam prontos, entretanto, a recuperação do bairro foi efetuada anos depois pelos prefeitos Ronaldo e Kátia.

O mundo mudou, não sou saudosista, gosto da vida atual, embora o passado tenha sido mais romântico, mais charmoso. Desde que me tornei escritor aos 62 anos tenho escrito sobre meu bairro. Contar histórias de minha terra tornou-se profissão.

Por todo relato acima, pela luta, pela querência ao bairro, o presidente da Liga dos Blocos Carnavalescos, Edberto Ticianelli, em uma cerimônia festiva e bem humorada nas escadarias da Associação Comercial, deu-me o título de Duque de Jaraguá, o qual uso em apodo ao meu nome nos escritos.

No próximo sábado, 5 de fevereiro, o Jaraguá Tênis Clube realizará o tradicional baile pré carnavalesco Vermelho e Preto, o tema, uma homenagem à Jaraguá, suas máscaras, seus bordéis, e também ao Duque de Jaraguá. Essa ousadia cultural da Diretoria do Tênis, em contar a história do bairro boêmio num baile de carnaval, certamente ficará gravada na história de nossa querida Maceió.
(Crônica - Gazeta de Alagoas - 30-jan-2011)

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