terça-feira, 16 de novembro de 2010

AVENIDA DA PAZ E DA POESIA por Carlito

Fim da Primeira Guerra Mundial, 1918. Alagoas não foi à Guerra, entretanto, um filho seu, valoroso guerreiro, o então prefeito de Maceió, comemorou com três dias de festas a Paz Mundial. O povo dançou e bebeu na Praia do Aterro, no centro da cidade. Maceió é a única capital com praia no centro, no início da Rua do Comércio.

Durante o discurso, o prefeito emocionado, empolgado com as doses de cachaça, das boas, que distribuiu para o povo, prometeu: ali, naquele mesmo lugar, naquela praia de extensa areia branca, construiria uma ampla avenida com o nome de Avenida da Paz.
Como o prefeito era cabra decente, diferente desses de hoje em dia que fazem mil promessas e depois esquecem, logo cumpriu o prometido.

Construiu uma bela urbanização, duas calçadas paralelas, uma junto à pista de calçamento, outra do lado da praia; jardins gramados com desenhos arabescos, bancos de concreto e postes de ferro trabalhado, beleza de arte da fundição alagoana. Ao anoitecer o acendedor de lampião iluminava a bela Avenida. No lusco-fusco do alvorecer apagava os belos lampiões pendurados nos postes.

Tempos depois, o médico e poeta Jorge de Lima, morador da Praça Sinimbu, vizinha à Avenida da Paz, inspirou-se naqueles momentos para construir um dos mais belos poemas da língua portuguesa:
O ACENDEDOR DE LAMPIÃO
“Lá vai o acendedor de lampião da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente...”

Anos depois (1926), o competente prefeito Amphilóphio Melo – como poeta, Jaime de Altavilla – construiu o imponente, bucólico coreto e ampliou a urbanização da Avenida da Paz. Alem de excelente administrador, Jaime de Altavilla, morador da Avenida, foi um dos grandes poetas das Alagoas. Entre tantos, nos deixou esse legado:
SOBRE A AREIA DA PRAIA
“Minha terra possui sete léguas de Praia
Que El Rei doou por alvará
Sete léguas de renda e de cambraia
Por sobre a faixa verde dos coqueirais...”
Seu filho Jaime de Altavilla, além de excelente tenista, seguiu o rumo do pai. Intelectual, historiador, homem de cultura, é atualmente presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.

Após a Revolução de 1930, para puxar o saco dos militares, o então prefeito da época mudou o nome da Avenida da Paz para Avenida Duque de Caxias, e por muito tempo ela assim foi denominada. Entretanto, o povo é sábio, continuou chamando de Avenida da Paz. No final dos anos 80, o bravo vereador Ênio Lins conseguiu aprovar projeto na Câmara de Vereadores, retornando o nome, definitivamente, para Avenida da Paz.

São poucas as cidades do mundo desfrutando de uma beleza cênica, uma praia no centro urbano.
Nos anos 60/70 iniciou-se a tragédia. Por falta de política e reforma agrária, aconteceu a invasão de trabalhadores rurais na cidade em busca de trabalho e de dias melhores, ledo engano, a urbe não era o eldorado que o campo pensava. Houve uma inchação na cidade, ocupação indevida, favelas foram construídas. O vale dos Riacho Salgadinho foi o mais afetado, mais de 15 mil famílias se estabeleceram sem condições de estrutura urbana. Consequência a poluição nos 14 km desse vale, dejetos fecais, lixo dos favelados transformaram o Salgadinho em esgoto a céu aberto, poluindo a mais bela praia da cidade, a praia da Avenida da Paz.

Em 1993 organizamos um “abraço”, mais de quatro mil pessoas, na foz do Riacho Salgadinho, bela manifestação popular. A Prefeitura respondeu com projetos paliativos, promessas políticas. Hoje, de concreto, foram iniciadas algumas construções pontuais para minimizar a situação. Enquanto isso a praia da Avenida poluída e adormecida em seu berço esplêndido, espera um dia ser novamente a Avenida da Paz, e da poesia.

(publicado na GAZETA DE ALAGOAS em 14-nov-2010)

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