sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O HIPNOTIZADO (MELÉ) por Lelé

Final dos anos cinqüenta. Brasil já campeão do Mundo. Os americanos enfiaram goela abaixo da nossa classe media ignara, uma revista de variedades, Seleções do Reader´s Digest, de grande conotação anticomunista, tanto que chegou a espalhar que os russos comiam criancinhas, por via oral, claro, pois quem gosta de comê-las por outras vias são os padres de Boston. Deixa pra lá, isto não vem ao caso. Foi só uma demonstração de minha simpatia pela política hipócrita de nossos irmãos do norte.
O fato é que esta revista propagava na época que um padre americano (êpa!) através de hipnotismo curava mazelas de origem psicológica tipo perda de memória, gagueira, etc... Este padre esteve em Maceió e fez até uma exibição no pátio do Colégio Diocesano. Foi o maior sucesso. Muita gente na cidade se achou também um hipnotizador. Só na Avenida, havia pelo menos quatro deles: Lizardo, Rafael, Alberto e Quico.
Porém havia apenas um grande hipnotizado. Mardem Carneiro. Melé para os amigos, porque seu pai era representante da cachaça com este nome que fazia maior sucesso na época. Além de Melé ser gago, chegava ao transe hipnótico com grande facilidade. Portanto, prato cheio para os pretensos hipnotizadores da Avenida.














GAZETA DE ALAGOAS – 13/9/1957 – PROPAGANDA DA CACHAÇA MELÉ **** MARDEM NA MINHA BICICLETA PATAVIUM
Certa noite, no banco da Avenida em frente ao seu Pádua, Quico com um broche roubado de Dona Bi pendurado num cordão, substituindo assim o relógio de algibeira do padre americano, e com uma grande platéia (até nossas irmãs assistindo ao espetáculo), começou uma sessão de hipnotismo.
Mandou Mardem Melé dormir com o pêndulo do broche se movimentado na cara dele. Mardem logo entrou em transe.
- Melé, você não é mais gago, fale qualquer coisa.
- Nã–nã-não tem je-jeito. Sô–sô-sou ga-ga-go mesmo.
- então Melé, você está em casa sozinho, ...
Aí Mardem Melé começou a desabotoar a braguilha. Foi um deus-nos-acuda. Todo o mundo uníssono: ACORDA, MELÉ, ACORDA...

Outra noite, no batente da casa do Cuíca, esquina da Silvério Jorge com o beco Emilio Cardoso, onde Alberto fazia plantão para... deixa pra lá. Bem, Mardem sentado no batente e Rafael Perreli hipnotizando.
- Melé, você não é mais gago, fale qualquer coisa.
- Nã–nã-não tem je-jeito. Sô–sô-sou ga-ga-go mesmo.
- Melé você está em casa sozinho. Está com vontade de fazer o que?
- Tô–tô-tou com Von-ta-ta-de de fu-fu-mar.
Rafael pegou um pedaço de pau e enfiou na boca do Melé :
- Pode fumar, você está com um cigarro aceso na boca.
- I-I-Isto nã-não é ci-ci-garro. Que–que-ro um ci-ci-garro mesmo.
(Nós os pivetes, raramente fumavamos um cigarro inteiro, só quando nosso pai deixava uma carteira de cigarro de bobeira. Isso era privilégio dos maiores, ainda assim, eles não andavam com carteira, compravam cigarros a retalho na venda do seu Nelo. Os menores tinham mesmo é que se satisfazerem com as tóias dos maiores) .
Perreli para não perder a pose de hipnotizador colocou um cigarro verdadeiro na boca de Melé , mas com o intento de pegá-lo de volta.
- Pronto, agora você pode fumar.
- O ci-ci-garro nã–nã-não tá a-a-ceso.
Rafael puto da vida, mas sem querer perder a pose, acendeu o cigarro. Então Mardem Melé dá uma baforada e sai na maior carreira: “ O-O-BRI-BRI-GADO , FA-FAEL PE-PELO CI-CI-GARRO”. Era a glória do pivete fumar o cigarro inteiro.
Agora, se Mardem dormia, se ficava em transe hipnótico durante a sessão, ninguém hoje pode responder. O segredo foi pro túmulo. Mas para mim, amigo do peito, era mais uma molecagem do maior maloqueiro que a Avenida já teve. Grande Melé.
(LELÉ – setembro 2007)

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