Prezado
Cuca
Valeu sua
iniciativa de lembrar nosso menino da avenida Fael e fez-me lembrar e registrar
outras histórias que me vieram na lembrança:
1- Certa
noite já tarde estávamos sentados na Avenida da Paz justo em frente a sua
casa(Cuca) , em suas cômodas cadeiras , de costas para o mar e com os pés em
cima do banco da praça, respirando aquela brisa constante que vem do Atlântico.
As casas
já todas fechadas pois em média á partir das 21h começavam o recolhimento das
nossas famílias. O papo estava animado e lá por volta da meia noite passava uns
boêmios vindos de Jaraguá e o gordo Fael, fumando como sempre. Deu um grito
para o cara correr se não ia apanhar. Não deu outra, Fael levantou-se da
cadeira soltando uns palavrões brabos e o caro deu um pique da porra. Rimos mas
comentamos. Porra Fael o cara não fez nada vinha calado, é sacanagem. Mas nesse
dia ele tava com vontade de dar um murro e que murro em alguém. Passaram outros
e sob nosso protesto Fael continuou botando todos para correr. Não apareceu
nenhum macho para enfrentar aqueles palavrões e a possível briga. Fazia isso
por pura diversão e sem armas.
Teve um
que Fael antecipou-se e pegou-o e fizemos o batismo que constava de deitá-lo na
grama, prender as pernas e os braços enquanto outros traziam uns pés de grama e
enfiávamos simultaneamente nos ouvidos e nariz e para concluir um punhado de
areia no rosto. O cara saia p da vida. Após essa ação tivemos a feliz idéia de
também nos recolhermos as nossas casas.
2- Após a
briga no baile de máscaras que Cuca relatou, entre Fael e um Malta se não
me engano, a tensão que circulava é que haveria vingança pesada e o cara tava
andando armado. Quase todas as noites o Fael era designado pelos irmãos mais
velhos Betinho e Fernando para ir à noite (21h) na Sapataria Bristol no
inicio da rua do comercio, fechar as portas e apagar as luzes da loja. Pois bem
o Gordo chegava no banco da avenida onde nossa turma ficava conversando e
convencia-nos a seguir com ele até a sua loja.
A turma era acostumada na
pedoviaria gastando somente a sola do sapato e portanto ir da avenida até
a rua do comercio e voltar era um pulo, ninguém falava que estava cansado,
embora tivéssemos jogado uma media de 3 a 4 peladas diárias. Além dos rachas no
coreto.
Combinamos
que daria apoio nessa segurança diária a Fael nesse percurso,até as coisas
se acalmarem, mas seria de bom grado que no percurso de volta ele pagasse
para todos uma vitaminazinha de banana na lanchonete Danúbio localizada na
metade da ladeira do comercio. Topou no Ato.
3-Como
disse Cuca em seus registros, Perrelli era um grande cara, amigo do peito , um
bom papo, alegre e brincalhão,adorava zonar com os outros colegas mas
tinha pavio curto quando era gozado.
Certa
noite por volta das 19 h após a janta em família, saí pra mais uma noitada e vi
Fael e nego Adilson escorados no muro da esquina da casa de Paulo Tenório.
Nessa época Rafael batia ponto de sua namorada Gilda todas as noites lá no
gramado da Pajuçara e então quando cheguei perto fui logo perguntando se
ele iria tirar um sarro com a namorada, quando mais do que abruptamente levei
um soco direto com toda força em cima de meu magro corporal na direção do meu
coração. As costelas receberam o impacto direto e cheguei a precisar me
acocorar para recompor com respirar e aspirar varias vezes para que o
coração não saísse pela boca. Fael ficou chateado pela violenta reação
e ficou pedindo desculpas e aprendi que para brincar com Fael só a
distancia. Foi quando o ônibus desceu a ponte do Salgadinho na direção da
Pajuçara e Fael despediu-se de mim e do Cuica , atravessou a rua e ai
gritei: Vai sarrar né gordo viado?
4- Fael
não tinha muito tempo para brincar e jogar pelada durante toda semana,
pois dava duro no batente lá Sapataria Bristol. Raramente saia mais cedo,
mas naquela tarde deu certo e pulou do ônibus na Avenida da Paz pelas 16 h.,
exatamente quando estavámos com a bola de couro tinindo de cheia e
ensebada, vindo da casa do Lelé, subindo a ladeira do beco entre as
casas de Seu Pádua e Paulo Tenório para nossa pelada do entardecer.
Fael de um
pique só trocou de roupa e correu em nosso encontro lá na praça. Da praça
até a praia propriamente dita, havia uma boa distancia de matagal depois vinha
um bom trecho de areia branca para depois finalmente chegarmos a areia dura,
local propicio para nossas inúmeras peladas. Pois bem, um de nós que detivesse
a posse da bola dava ali da praça, um bombão na direção da
praia, como todo goleiro faz quando quer um contra ataque e ai já descemos
correndo para iniciar a zorra ou a pelada, dependendo do numero de peladeiros. Na
foto apresentada nas historias contadas por Cuca estamos numa dessas tardes
inesquecíveis onde estão Alberto, Lelé, Cuca e o Fael .
Após a pelada que era
jogada até anoitecer corríamos todos para o mergulho no mar de águas mornas, límpidas
e sem ondas. Nessa hora Fael ia até a areia branca tirava a camisa e corria
para seu mergulho e sob a gozação geral da turma com outro apelido de Shell
Peitinho e saia de perto porque senão levava porrada.
5- Sobre
as caçadas do Cuca com Rafael, lembrei-me que ele fez algumas comigo e Waldo.
Primeiro nos Gregórios, ali logo apos Satuba, quando vimos um disco voador
conforme já relatada no nosso livro Meninos da Avenida. Fael era muito
organizado quando se tratava de caçadas, tinha uma espingarda 28, 2
canos toda ajustada e bem mantida, cartuchos especiais em função da real
necessidade de uso distribuídos em uma cartucheira de couro que ele
cruzava no peitoral. Alem de possuir um boa mira.
Combinávamos a nossa caçada
já no sábado a tarde quando descíamos até a 1ª lagoa grande onde sempre
pernoitavam muitos marrecos e paturís , para preparar a camuflagem para no
dia seguinte ainda escuro se aproximar em pleno silencio e ao amanhecer darmos
os primeiros tiros. Então eu e Waldo dávamos os tiros por trás das
palha de coqueiro estrategicamente montadas na véspera, quase as margens da
lagoa e Fael dava seus tiros no ar quando acontecia a revoada. Pois os patos
davam uma volta pela lagoa antes de tomarem outro rumo.
Normalmente conseguíamos
nessa operação liquidar de 4 a 5 patos o suficiente para garantir nosso farto
almoço. Voltávamos para a casa grande para tomar o café da manhã e
deixar os patos para a cozinheira preparar nosso almoço. Só depois
é que descíamos para andar pelas inúmeras lagoas da fazenda por
cima das baronesas e tentar com muita dificuldade abater mais alguns patos
d'água ou socós. Dureza total para quem conhece e pode imaginar essa
longa andada ao sol escaldante, e ambiente abafado próprio do micro
sistema, onde além da exaustão, acúmulo de sangue- sugas nas pernas, onde
tínhamos de eliminá-las na volta com uma faca, pois estavam coladas e
escorregadias.
Para as caçadas no Gregório sempre íamos aos
sábados de ônibus inter-estadual e voltávamos no domingo a tarde a
maioria das vezes de carona, pois descíamos a ladeira do Gregório e todo
carro que descia pedíamos carona e veja que estávamos com as espingardas de
caça em mãos. Que tempo bom, tínhamos de 15 a 16 anos de idade. Numa
dessas caçadas falamos sobre as caçadas no engenho Cachoeira lá pras
bandas de Coruripe o que deixou Fael de água na boca, foi quando Waldo
convidou-o para ir conosco nas próximas férias.
Finalmente,
tudo preparado cartuchos carregados e armas ajustadas, chegou o grande dia
de seguirmos para o Cachoeira.
Às 5h com
sacola e armas a vista saímos na pedoviária da avenida passando pela praça Sinimbú até
as escadarias da Assembléia para pegar o ônibus para Penedo . Por
volta das 7h estávamos chegando a São Miguel dos Campos , parada
obrigatória para um lanche para em seguida seguir viagem e
em mais 1 hora sinalizávamos uma parada na estrada poeirenta logo
após uma ponte. Entravamos andando por uma trilha num canavial e após
30/40 minutos chegávamos na fazenda de Zé Geraldo que namorou com
a Clarissa Gazaneo, que embora não tivesse energia elétrica tinha
refrigerador a gás e uma boa infra estrutura de alimentação.
Atrás de sua casa
grande passava um riacho de boa vazão e com cerca de 4m de largura onde
através de cercas mantinha um viveiro natural de peixes. Portanto além de
nos receber sempre com muita alegria ofertava no almoço uma mesa farta de
peixe, galinha,carnes,ovos feijão, arroz ,verduras e fechamento de ouro com
jaca, bananas maçãs,laranjas, diversos tipos de doces, etc.
Enquanto isso seu
capataz estava selando os burros necessários para completar a nossa viagem
até a sede do engenho Cachoeira.
Pense num
estomago lotado, farto, essa era a sensação dos 3 viajantes ao se despedirem do
amigo do peito Zé Geraldo. Pelas experiências anteriores Waldo e eu pegamos os
burros menos ruins, deixando para Fael o osso, aquele que nunca quer
seguir viagem, empanca sem motivo e tenta sempre voltar para seu pasto
costumeiro, ou seja precisa de um vaqueiro duro e esperto para na espora seguir
viagem.
Pois bem,
Fael com sua espingarda de fazer
inveja, juntamente com sua cartucheira devidamente cruzadas no seu
peitoral, amarrou sua sacola de roupas e utensílios e principalmente seus
maços de cigarros inseparáveis, atrás de sua sela e montou com a dificuldade
natural no bicho sem imaginar ainda a dureza desse percurso.
Com 1h de
viagem o burro de Fael estava aprontando e empancando sendo necessário eu e
Waldo com umas boas e constantes tabicadas de madeira verde e duras para esse
tipo de caso, foi quando Rafael notou que sua sacola havia caído. Para não atrasar
Waldo e Fael seguiram viagem e eu voltei na trilha até encontrá-la.
Já era noite e cerca de 4h de viagem quando chegamos a sede do Cachoeira,
com as pernas trêmulas de tanto apertar o lombo do burro no trote continuo e
sem costume. Com lampião em punho seguimos pela escura trilha na
direção do banho de bica que fica a 0,5km de distancia. Rejuvenescidos e
após o jantar quando esfria o corpo no relaxamento nas redes estendidas na
varanda, então começam as dores . Fael estava desesperado quando
observou que cada pé de cabelo de ambas as pernas era 1 ponto de pus,
um vermelhidão sem tamanho devido a constante fricção entre as pernas e o lombo
do animal para se manter na sela.
Tínhamos merthiolato e gases. No dia seguinte
a luz do dia podia se ver o estrago nas pernas de Fael que se contentava em
andar vagarosamente pela casa grande e não topava caçar naquele dia. Mas a
secura era grande e no outro dia fomos a caçada principal onde sairíamos
as 4h da matina em cavalos bons de passada de propriedade do Seu
Sigismundo, para seguirmos por 1h até o inicio da caçada dentro da mata atlântica.
Fael teve esse prazer de acompanhar toda caçada mas voltou a inflamar as
pernas. Na noite véspera de nosso regresso onde o percurso da sede
do Cachoeira e a estrada onde passava o ônibus era realizado em bons
cavalos com duração de pouco mais de 2h, Fael preparou-se ao máximo
para se proteger das inflamações das perna, utilizando mertiolate, gases e
enrolando pedaços de toalhas bem amarradas nas pernas e por cima de
tudo vestiu a calça.
Rafael foi no melhor cavalo chamado de Cacheado sendo o
predileto do dono, enquanto eu segui na frente com o cavalo Passarinho que era
veloz, para chegar na estrada antes da passagem do ônibus.Consegui
explicar ao motorista que a tropa estava chegando logo o que de fato
aconteceu, para o bem de todos. A viagem de volta foi uma gozação grande
em cima de Fael, o que era de se esperar.
Grande
Lelé, esses registros se não forem feitos se perderão com o tempo, e
por isso louvo a sua iniciativa na organização que permitiu a edição em livro
de algumas de nossas inesquecíveis memórias que sirvam para futuras
gerações fazer suas próprias interpretações e de acordo com seus
conceitos.
Grande
abraço em todos.
Recife, 2/07/2012.
Alberto Cardoso