De repente, a orquestra toca o Hino Nacional. O silêncio agora é profundo. Ouvia-se somente a música, símbolo da Pátria querida. Os emotivos faziam força para não chorar. Outros, recordavam terras distantes. Parentes que partiram para sempre.
Logo mais, chegaram os abraços. Lábios colavam-se nas taças de champanhe. Era a família reunida, democraticamente. Jovens e velhos. Todos, todos cantavam e dançavam saudando o ano que vinha do berço que se chama tempo.
Bem que essa missão não é minha. De escrever ou descrever uma festa, que não sou cronista social. Mas faço esse registro como secretário do meu querido Clube Fênix Alagoana, do clube da minha mocidade e de minha velhice. Faço esse registro como se estivesse redigindo uma ata.
E recordo. Recordo um passado gostoso. Dos dias bons. Dias maus. A segunda grande guerra envelopando minha geração em fardas do Exército. Os Natais que eram pretensiosos, envoltos no “Black-out”. Os submarinos nazistas, eram como hienas no fundo do mar, farejando a costa brasileira. Mas a velha Fênix nos aconchegava, e dentro de seus salões eu e meus colegas éramos novamente “fenianos”, fardados de branco. Esquecíamos o que de ruim nos esperava.
Lá está nesta primeira madrugada de 1967 o Barnabé Oiticica. Não mais é o jovem tenente de artilharia. E’ o senhor casado, usineiro, cercado da esposa e filhos. O seu menino repete as façanhas do pai, e vem para o salão dançando com os brotos de hoje.
No meio dessa alegria, eu sinto falta de Hermann Almeida. Engulo uma dose de uísque. Quero afogar minha saudade. Matá-la. Esquecer. Brincar. Sorrir. Se a vida é tão curta e ninguém sabe qual o primeiro que partirá!
Aos pouco, a velha e querida Fênix me domina. Chego a ser feliz. Estou com minha esposa, minha filha, meu futuro genro, meus irmãos, e meus sobrinhos. E devo tudo isso ao meu clube, que me retirou da cama, da meditação, me transformou num sujeito alegre, quando minutos antes, eu era uma espécie de escafandrista, mergulhado no fundo de um mar de recordações, vendo meu pai, minha mãe, meus amigos. Amigos como o motorista Franklin Bezerra – o seu Franco – quase um irmão, que durante tantos anos, nunca me largou.
A Fênix é meu doce refúgio. Estou alegre, já agora quando a madrugada vem. Que bom a gente abraçar afetuosamente os conhecidos. Desejar a todos bons anos.
Repentinamente, ouço a voz do Presidente em exercício Ardel Jucá me convocando. Processa-se a eleição e posse da nova “glamour-girl” da Fênix, a linda menina-moça Laura Baia Quintela, um bibelô, um poema transformado em gente.
Mas a grande surpresa veio em seguida, quando Ardel Jucá, com sua voz compassada, disse:
Convido para vir até aqui o maior de todos os foliões “feniano”, o Sr. Luiz Ramalho de Castro.
Acredite leitor, quase que as palmas faziam tremer os alicerces do ginásio. Estava ali Luiz Ramalho, o seu Ramalho da Costeira, o folião dos grandes carnavais, o Rei Momo espontâneo que brinca com ingenuidade. O folião atravessou várias décadas fazendo o passo com sua esposa, seus filhos e netos.
Estava ali um homem digno, com os cabelos brancos como o de um Papai Noel, bondoso e generoso. Estava o seu Ramalho da Costeira que de seu bolso pagou muitas passagens para que jovens numa segunda classe fosse tentar a vida no sul, como aquele personagem cancioneiro popular que diz:
“Tomei o Ita no Norte”.
E foi essa a primeira emoção de alegria que experimentei neste ano de 1967. Quando o sol, que é um astro-rei, surgiu na avenida, prateando o mar, saudando o ano novo, eu pedi a Deus pelo meu povo, pelos meus amigos e até pelos meus inimigos, se é que os tenho. Era uma grande hora que devo registrar para a história social de minha terra. O Ardel Jucá convocando um outro Rei, Rei do Carnaval, Rei da Alegria, Rei pela bondade de seu coração, pela sua popularidade espontânea. O seu Luiz Ramalho, era ali, naquela festa de confraternização, a mais humana figura que encheu de satisfação, de prazer aquele mundo de gente que registrou com suas palmas – palmas dos jovens e velhos – que saudaram com o ano novo A VOLTA DO FENIANO.
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