quarta-feira, 2 de novembro de 2011

AS “PELADAS” DO HOTEL ATLÂNTICO por Murillo Mendes

UM “RACHA” QUE, AFINAL, UNIA

Ontem, sem que programasse, passei pela Avenida da Paz e não resisti diante daquela que foi a mais bela de todas as nossas belas praias. Premido pelas boas recordações suscitadas, resolvi descer do carro e percorrer, à beira d’água, o trecho em que, na minha adolescência/juventude, quase que o habitava, pois que nele desfrutei o melhor desse augusto tempo. Bem aventurado, foi exatamente ali que iniciei a construção do amor da minha vida; amor sem fronteiras, verticalmente dado e recebido, fértil e frutuoso, que nem a inclemência da morte foi capaz de minimizá-lo, ou de extingui-lo.

Nele, senti-me, novamente, ávido de viver em plenitude; despertei, em mim, o jovem sonhador e projetista que tudo podia... que muito queria. O fato é que revivi, em intensidade e nesses breves instantes, no trecho que mediava os trapiches que não mais existem e o então florescente Hotel Atlântico, um turbilhão de lembranças significativas que, ainda, me animam e sustentam, e estimulam-me para o viver amplo.

Houve um tempo – bendito tempo – em que essa praia sediava, em todos os domingos, em suas manhãs ensolaradas, uma das mais disputadas “peladas” futebolísticas de nossas encantadoras orlas praieiras. O seu palco, frontal ao Hotel Atlântico, tinha dimensões imensas e irregulares; era limitado pela maré, de um lado; do outro, pelo capinzal rasteiro que, sutilmente, homiziava insuportáveis carrapichos. O jogo era disputado, assim, em aplainadas e firmes areias trabalhadas pela maré, e nas frouxas e cansativas areias brancas que guarneciam e ornamentavam o mar azul que se descortinava ao fundo.

As equipes eram constituídas, sempre, através de chamada alternativa dos presentes; realizada por dois dos seus mais inveterados habitués; quase sempre, Júlio Normande e Betinho Perrelli. Iniciado o “racha”, ele só acabava depois de passado o “meio dia”. Não havia árbitro. Faltas e “goals” eram confirmados e aceitos de modo consensual; algumas vezes, no grito. Neste caso, nunca sem acirradas discussões que eram aliviadas por piadas e chistes que arrefeciam os ímpetos e recompunham a camaradagem.

Era jogo “pra valer”. Não obstante isso, os disputantes, arengueiros em sua maioria, jamais saíram para a “via de fato”. As derrotas eram naturalmente assimiladas. As discordâncias e o inconformismo dos derrotados eram domados pela esperança de que o troco viria na próxima “domingueira”... e, isso bastava, era o suficiente para se manter intacta a harmônica camaradagem. As discussões teimosas eram soterradas pelas “tiradas” inteligentes; pelo caçoar oportuno; pelo humor inofensivo e bem colocado, que temperava a doçura dessa convivência semanal, garantindo-lhe mansidão e pacificidade.

O “racha” do Hotel Atlântico era convergência, união e respeito mútuo. Fez-se em amizades inabaláveis que resistem e prevalecem até hoje; não foram afetadas pela oxidação do tempo. Seus participantes, na realidade, concertaram uma franca convivência que se mantém atual; sobremodo, como exemplo de coerência e de valorização individual.

Antecipando-me em desculpas pelas prováveis omissões, exalto e nomeio, aqui, os lembrados sujeitos ativos dessa eloqüente demonstração democrática; marcadamente fraternal e igualitária: Júlio, Zeca e Henrique Normande; Zé e Mané Ramalho; Fernando e Betinho Perrelli; Paulo Mendes; Gerson Omena; Joubert Scala; Rubinho Mastigada; Vetinho e Claudinho Pacheco; Claudinho Ferrário; Pai Manu; Arroxellas; Afrânio Montenegro; João Simões; Cleantho Rizzo; Luizito; Louvain Ayres; David; Maso e Dirson; Napoleão Moura; Juvencinho Lessa; Zezé Barbeiro; Peitudo; Ascânio Valença; Licito Cansanção; Eraldo; Aurélio Munt; Miguel Rosa; Tonico; Fernando e Toinho Cotrin; Paulo, Maru, Guy e Mano Gomes de Barros; Elísio Aguiar; Zirreli; Eduardo Jorge; Pedro Galinha...

Salve, pois, o futebol praieiro do Hotel Atlântico, por tudo que ele pôde oferecer e edificar.

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