De seus 80 e poucos anos Zezé mantém a
dignidade profissional de barbeiro, elegante, bem humorado, recebe os
velhos e novos amigos no salão no centro da cidade. É prazeroso cortar
cabelo com o octogenário conhecedor e vivedor da cidade, testemunha viva
da história nesses últimos setenta anos. Durante o corte de cabelo Zezé
sempre conta uma história interessante, atual ou antiga. Nos anos 50/60
seu salão ficava em frente à Assembléia Legislativa, ele testemunhou
brigas e tiroteios, feitos bélicos presentes na histórica política das
Alagoas. Zezé assistiu ao duelo de revólveres em punho, entre o deputado
Oséas Cardoso e os irmãos Pinho, resultando uma morte, Policarpo Pinho.
Ele foi testemunha do grande tiroteio na Assembleia Legislativa no dia
13 (sexta-feira) de setembro de 1957, deputados da oposição e do governo
se guerrearam durante a votação do impeachment do governador Muniz
Falcão. Ao iniciar o tiroteio de pistolas e metralhadoras, os curiosos
que se encontravam na Praça Pedro II correram para onde puderam, muitos
entraram no salão do Zezé procurando abrigo.
Zezé sempre exerceu com amor e competência a profissão de barbeiro, entretanto, nunca negligenciou suas horas de lazer curtindo o que mais gosta, um bom futebol e conversas de botequim com cervejinha gelada. No tempo de soldado do 20º Batalhão de Caçadores jogou do time do Exército ao lado do caceteiro Tomires, grande zagueiro, por muitos anos jogador do Flamengo. Zezé era assíduo ao futebol de praia dos Perrelli na Avenida da Paz. Todo domingo, os irmãos Perrelli, filhos de italiano, organizavam a pelada com traves, camisas, bola, juiz, durante a manhã era a maior atração na praia da Avenida. Havia fila para jogar na pelada dos Perrelli.
Ainda hoje Zezé corta o cabelo dos companheiros do futebol de praia, tem amizade com magnatas e remediados da cidade, contudo, sua maior virtude é saber contar histórias com bom humor e sabedoria. Zezé é fonte de minhas crônicas semanais. Ao sair do salão de Zezé me sinto bonito, cabelo bem cortado e empolgado com as histórias fantásticas de Maceió nos anos dourados.
Sexta-feira passada ao me sentar na cadeira, Zezé informou, quem estava a pouco na cadeira onde me sentei foi Lelo, grande boêmio, amava a zona, gostava duma rapariga, vivia nos cabarés. Naquela época a dona da noite era Railda, cafetina braba, olhar severo, nariz adunco, competia com o famoso Mossoró nas noitadas da cidade. Muita lenda se conta de Railda. Zezé não se fez de rogado contou a história de Lelo.
- “Assim que as boates de rapariga de Jaraguá subiram para o Tabuleiro e Canaã, Railda alugou uma casa, um sítio na Avenida Fernandes Lima. Arrumou a boate, contratou conjunto musical para os clientes dançarem com suas meninas, mulheres bonitas escolhidas entre as melhores raparigas da cidade. Havia disputa com Mossoró, outro dono da noite. A cafetina não admitia sequer comentários elogiosos às meninas do concorrente. Certa noite Lelo bebia com amigos na Boate Areia Branca, mesa vasta de bebidas e mulheres, para puxar o saco do Mossoró, Lelo falou alto para quem quisesse ouvir, as mulheres da Railda eram umas merdas e a cafetina de tão bêbada havia mijado de pernas abertas feito uma égua. Railda soube do ocorrido, da manifestação, da preferência raparigueira de Lelo.
Numa sexta-feira, noite de impreterível visita dos boêmios à zona, Lelo tomou algumas cervejas no bilhar da Rua do Comércio, convidou os parceiros: “Vamos às raparigas”, subiu com amigos para noitada. Assim que entrou no sítio da Railda levou uma tapa, caiu no chão, as meninas buscaram um penico já preparado cheio de cocô e xixi derramaram sobre o coitado, deitado, pedindo socorro enquanto as raparigas lhe enchiam de porrada, foi preciso um amigo intervir com um revólver. Railda e suas raparigas suspenderam a surra. Lelo foi levado cheio de pancada numa Kombi para um banho no Riacho Catolé, a Kombi ficou fedendo à merda por mais de uma semana. Depois de alguns meses Lelo fez as pazes com Railda e continuou assíduo cliente.”
Com detalhes precisos Zezé contou essa história, teria outras se não tivesse terminado o corte de cabelo.
Um comentário:
Ótima história. José Marques Filho (zezé barbeiro) meu pai; escutei muitos "causos"... ele foi um bom contador de estórias.
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