Não sei, mas os tempos, hoje, estão mudados; supinamente
enviesados, desviados, seguindo outras rotas, sem contenção, fugidios dos
freios e das cautelas do passado; convertendo-se em libertinos (?)... Não! Na
realidade, não são tempos essencialmente libertinos, que não me compraz a
possível ofensa; mas, inquestionavelmente, tempos libertos, em sua mais ampla
acepção vernacular e ideológica. Que resulta disso, desses tempos simbiônticos,
dessas associações que se fazem destemperadas e temerárias ao olho e aos
sentires adstritos aos que “já eram”?
Lembro-me,
com naturalidade, como algo do meu passado que não se foi, que me integra, que
é parte viva e indissociável do meu eu, do tempo em que desfrutávamos a bela e
inigualável praia da Avenida da Paz. Do branco neve de suas refinadas areias,
da limpidez de suas águas mornas – espelho autêntico do céu imenso que as
cobria, colorido-as em tons ora azuis, ora verdes, sempre puras, exuberantes e saudáveis,
oferecidas a todos nós que as procurávamos.
Eram
tempos de traquinadas indômitas, mas inocentes, quase sempre; tão ao feitio dos
que, então, mal se iniciavam na adolescência. Das excursões curiosas e
pacíficas – ou incursões (?) – ao famigerado Morro Tomix que, do Sobral, ao
longe, nos alvoroçava, desafiando-nos...
Pois bem, deixávamos nossas “nevadas” areias, a limpidez das águas da
Avenida e marchávamos, sem o conhecimento e sem a autorização de nossos pais,
para ocupar o ousado morro de brancas areias, às vezes compurscadas por rala e
espinhosa vegetação a desenhar-lhe figuras que iriam povoar nossa ingênua
imaginação, estimulando-nos à aventura.
Antes da
lá chegarmos, ultrapassávamos o marco final da Avenida – o Clube Fênix
Alagoana, defronte ao qual nossa bucólica praia assumia fisionomia de
indisposição e de ferocidade com seus possíveis banhistas, mercê de suas
piscinas submersas, perigosas e trágicas; na realidade, traidores buracos,
afetados por fortes e invisíveis correntes marinhas que, convertidas em
redemoinhos, não davam chances aos incautos usuários. Depois de atravessarmos a
originária foz do Riacho Salgadinho (que, naquela época, se encontrava
naturalmente com o mar, bem perto do nosso desafiante morro), a ele chagávamos.
Logo tomávamos posse desse elevado reduto e
dele tirávamos as vantagens de infantes conquistadores. Nele, esquiávamos sem
cansaço, equipados com tibacas de coqueiro, até que chegasse a hora de voltamos
para casa. Esses cangaços eram nossos improvisados esquis. Naquele tempo,
embora traquinas, tínhamos limites... e os respeitávamos, quase sempre. Nossos
pais, sempre, foram nossos espelhos, e nós, neles, nos refletíamos. Sempre que
os contrariávamos, pagávamos, como devido, o preço da insurreição.
Ocorre,
todavia, que éramos para além do conhecimento de nossos pais... Também, exímios
armadores e navegadores intimoratos. Fazíamos nossos barcos, utilizando madeira
de caixões de cebola, de sabão e de querosene (naquela época, cebola era
encaixotada), e do pano de saco que acondicionava a farinha de trigo (naquele
tempo, gente pobre dele se vestia)... Construíamos sua quilha com a madeira desses
caixotes, guarnecendo-a com o tecido dos sacos, calafetando-os e pintando-os
com piche; às vezes, amenizado por resto de coloridas tintas ao nosso eventual
dispor. Navegávamos o salgadinho nos dois sentidos. A montante, até as
proximidades da Cacimba do Braga (hoje, um posto de gasolina), passando pela
ilha das cobras e por baixo da ponte do trem na Buarque de Macedo. A jusante,
marginando os sítios da viúva e do Aguiar, ultrapassávamos a ponte da Sinimbu,
sob o passar dos saudosos bondes da CFLNB, indo em frente, costeando os
paredões da Fênix (naquele tempo não havia, ainda, o seu ginásio, nem seu
parque aquático) até a sua foz.
Éramos
“bambas”, porquanto jamais tivemos um naufrágio, jamais houve vítima dessas
inebriantes aventuras. Entre os armadores/navegantes não houve náufragos, todos
os que, ainda, não se foram, chamados pela natural e incontornável volúpia da
morte, estando vivos, poderão atestar a veracidade desse relato, inclusive de nossa
apreensão e inconformidade com os fazeres e dizeres sem fronteiras e sem
disciplina, imperantes nos dias atuais.
Toda
essa lúdica digressão, para exaltar os filhos que fomos, sempre dóceis com os
pais, para dizer que os tempos, realmente, são outros. Em alguns casos,
lastimavelmente, sem limites e sem amenidades; ríspidos e acres com o viver e
ser com responsabilidade. Primordialmente, quando o injustiçado é sobejamente
conhecido. Por essa injustiça, tão cortante, que agride e desconhece a própria
presunção “juris tantum” que deve prevalecer e militar em favor de quem não se
conhece; pelo menos, até prova em contrário...
Resta-nos, apenas, lastimar, Valendo-nos,
para tanto, do grande Cícero, para exclamar: – Oh tempora, oh mores!
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