quarta-feira, 18 de abril de 2012

SAUDAÇÕES CAETÉS por Virgílio Agra

Nos idos de 1920, em Maceió, foi construída uma avenida iniciando-se na Praça Sinimbu, ligando o centro da cidade à região portuária de Jaraguá. Como a obra foi concebida em homenagem ao fim da Primeira Guerra Mundial, foi batizada com o nome de Avenida da Paz. Dotada de uma pista larga, inicialmente iluminada por lampiões, contando com um largo calçadão e emoldurando uma das mais bonitas praias do estado, esta via foi, durante muitos anos, um dos endereços mais cobiçados da capital caeté. Suas casas abrigaram e viram nascer várias personalidades que se destacaram no cenário político e cultural de Alagoas como o poeta Mendonça Júnior e o seu filho o jornalista Mendonça Neto, os escritores Américo e Carlito Lima, o poeta e historiador Jaime de Altavila, além do cineasta Cacá Diegues, hoje reconhecido no país inteiro.


Na última semana tive o prazer de me deliciar com a leitura de um livro, presente de natal da minha esposa, intitulado "Meninos da Avenida". Trata-se de uma coletânea de crônicas, escritas pelos próprios protagonistas, alguns citados acima, retratando sua infância nos tempos em que moravam na Avenida da Paz entre os anos 50 e 60. É o tipo de livro que a gente começa a ler e não consegue parar e, sinceramente, dá uma tristeza danada quando acaba. Apesar de eu nunca ter morado nessa Avenida, eu me emocionei e ri com muitas das suas histórias e seus personagens, até porque esse livro trouxe à minha mente passagens da minha infância que eu nunca esqueci.

Quando criança, poucas vezes tive oportunidade de vir à capital do meu estado e, para quem era do sertão, lá da Ribeira do Panema, vir a uma cidade grande era um passeio irrecusável e invejável. Os prédios, o movimento frenético nas ruas centrais, a quantidade de carros, tudo me encantava, mas, além disso, lembro-me também que meus pais me levavam para ver o mar. Naquele tempo a região das praias de Ponta Verde e Jatiúca era apenas um imenso coqueiral e não havia vias de acesso, foi, portanto, na Avenida da Paz de onde pela primeira vez eu vi o oceano Atlântico. Eu olhava aquela imensidão e ficava me perguntando, porque eu não conseguia ver o outro lado daquele rio enorme. Nessa época, enquanto os "Meninos da Avenida" reinavam na Avenida da Paz e na sua paralela, a Rua Silvério Jorge, Tio Natalício, irmão de vovô, morava com Tia Ivete e sua cunhada Creusa naquelas imediações, só que mais próximo à Praça Sinimbu. Sua casa ficava de frente a uma praça bem pequenininha, ao lado do antigo Restaurante Universitário que eu tanto frequentei nos tempos de estudante.

Numa dessas viagens a Maceió, quando eu tinha entre 5 a 6 anos de idade, minha mãe resolveu fazer uma visita ao seu tio e me levou junto. Chegando lá pedi logo a benção, porque se assim não fizesse era uma demonstração de falta de respeito e educação. Minha mãe começou a conversar com os tios e como na casa não havia outras crianças para eu brincar nem eu podia me meter em conversa de adulto, comecei a ficar entediado. Percebendo a situação e querendo me agradar, Creusa me convidou para passear. Segurando na minha mão atravessamos a Praça Sinimbu onde fizemos uma breve parada para que eu me divertisse olhando uma fonte com a estátua de um menino urinando que era chamado de "Mijãozinho". Em seguida caminhamos em direção à Avenida da Paz. Atravessamos o calçadão e finalmente pisamos na areia da praia. Naquele tempo a indumentária dos meninos da minha idade era cabeça raspada, calça curta e sandália japonesa. Quando pisamos na areia fina e bem branquinha me atrapalhei um pouco com as sandálias, mas prosseguimos até alcançar a areia batida e plana da Praia da Avenida. Creusa pediu que eu tirasse as sandálias e caminhamos mais um pouquinho até o ponto em que a água alcançava nossos pés. Era a primeira vez na minha vida em que eu tive contato com a água salgada do mar. As ondas quebravam um pouco mais adiante e chegavam até nós se esparramando sobre a areia plana da praia. A cada onda que chegava eu olhava para os meus pés me admirando com o fluxo d'água que vinha e depois voltava sempre retirando um pouco da areia sob os nossos pés fazendo com que afundássemos suavemente. Foi uma experiência inesquecível e, apesar da minha empolgação, confesso que não larguei a mão de Creusa um só instante.

Certa ocasião, eu ainda era criança, passamos uma noite em Maceió e fomos à Avenida da Paz para ver um desfile festivo, carnaval talvez. Se alguém me perguntasse o que houve nesse desfile eu não saberia responder, porque a coisa que mais me chamou a atenção naquela noite foi uma quantidade enorme de luzes que eu via na escuridão do mar. Lembro-me que perguntei:

- Mamãe, que cidade é aquela?

- Não sei. Acho que é Marechal Deodoro.

Apesar da pouca idade eu percebi que tinha algo que não se encaixava e voltei a perguntar:

- E porque durante o dia a gente não vê?

- Acho que é porque é muito distante e só à noite conseguimos ver as luzes.


Éramos forasteiros na cidade e minha mãe sabia que aquela cidade histórica era próxima, mas, mesmo sem saber exatamente onde ficava, acho que ela me respondeu assim, porque sabia que me deixar sem resposta poderia ter um resultado muito pior. Eu terminei por aceitar, mas, de costas para o desfile, não tirava os olhos daquele aglomerado de luzes que cintilava no mar. Muitos anos depois, quando estudava Engenharia Civil na Universidade Federal de Alagoas, passeando naquele calçadão com aquela que viria a ser a mãe de minhas filhas, me lembrei daquela noite e compreendi que as luzes que brilhavam eram navios fundeados que aguardavam para carregar de açúcar, o principal produto da economia alagoana.


Os "Meninos" contam que, por ser bastante plana, quando a maré estava baixa, a Praia da Avenida era um imenso campo de futebol, mas uma brincadeira que eles gostavam muito de praticar era a guerra de trincheiras com bolas de areia e, na hora de dar um mergulho, podiam escolher entre as águas salgadas do mar ou doces do Riacho Salgadinho que desaguava ali bem pertinho, porque ambas eram limpas e cristalinas. Na época em que tive o meu primeiro contato com o mar os "Meninos da Avenida" já eram adultos, alguns frequentavam a universidade e outros já estavam até formados, enquanto que eu era apenas uma criança de calças curtas. Eu nunca joguei futebol naquela praia, nunca participei das guerras de bolas de areia, também nunca tomei banho nas suas águas nem nas do riacho, mas me lembrando daquela manhã em que Creusa me levou para andar naquela praia, num dia qualquer do final da década de 60, pude entender porque eles eram tão felizes.

Com o passar dos anos o Riacho Salgadinho virou um verdadeiro esgoto a céu aberto, poluindo e tornando imprópria para banhos a mais bela das praias de Maceió. A casa de Tio Natalício foi demolida, só sobrou o terreno, e seus antigos moradores já passaram para a eternidade. O Porto de Maceió foi modernizado, passando a receber navios maiores podendo carregá-los de forma mais rápida, diminuindo assim a grande quantidade de embarcações que tinham que esperar ao largo. Em compensação, eu finalmente descobri a localização exata da cidade de Marechal Deodoro, a antiga capital de Alagoas.

Meus amigos. Despeço-me desejando que todos tenham uma boa páscoa e, onde cada um de vocês estiver, espero que suas vidas sejam como uma grande avenida de...

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

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