Referencia: Blog dos Meninos da Avenida
Registro de lembranças: Alberto Cardoso Correia Rêgo ( período 1955 a 1959 na Av. da Paz)
Personagem: Velho Pescador Sr. Rodolfo. ( meu grande amigo)
Avenidenses : Passo a descrever alguns fatos e passagens de momentos felizes dos meninos da avenida , associados ao velho Pescador que conviveu com a nossa comunidade da Av da Paz , rua Silvério Jorge e imediações, com a venda de peixe fresco, pescado ali em frente as nossas casas e próximo do porto de Maceió, nos idos de 1955 a 1959.
Pescador Seu Rodolfo.
Pescador aposentado sem INSS ,sem renda fixa, casado com dona Santa tinha 2 filhos , sendo um adolescente sem emprego e outro de menor,uma família muito pobre que habitava um pequeno barraco as margens do rio Salgadinho numa propriedade de coqueiros por trás da rua Silvério Jorge. Embora moço apresentava um grave problema de saúde com uma enorme hérnia , tendo de usar uma sunga permanente para evitar estrangulamento e ter que ser socorrido no proto socorro, tinha fases críticas quando fazia algum esforço físico, pesos, andar grandes distancias,dias e dias doloridos, ou seja , debilitado para a maioria dos trabalhos.
Chegamos a fazer um campo de futebol nessa propriedade plantada de coqueiros próximo do barraco do Seu Rodolfo,onde jogamos várias peladas sempre na parte da tarde e depois tirávamos ( roubávamos )cachos de côco para matar a sede que ninguém é de ferro, e de certa forma pedíamos emprestado a foice para facilitar as aberturas dos mesmos. Dessa maneira ficamos familiarizados com essa família. A nossa única preocupação era na hora de roubar cocos observar o vigia dessa propriedade cuja casa ficava do outro lado do rio Salgadinho onde o mesmo tinha uma espingarda com tiro de sal, que para chegar ao nosso local teria que correr muito rápido e atravessar a ponte de ferro o que dava tempo suficiente para a turma se picar. De longe já longe da mira da tal espingarda , gritávamos a plenos pulmões, vigia fdp, filho de rapariga e em seguida com os buchos cheios de água de coco descíamos para a praia tomar banho de mar até escurecer.
Seu Rodolfo ficava com sua cesta vazia observando o lance das redes dos pescadores, seus ex- companheiros de profissão e assisti muitas vezes o chefe da pescaria selecionar os maiores peixes e fazer um sinal para Seu Rodolfo colocá-los em sua cesta e partir para comercialização. Muitas vezes seus olhos se enchiam de lágrimas de alegria por aquele gesto do também pescador pois estava dando-lhe chance de ganhar uns trocados na comissão pela venda dos peixes e conseguir adquirir comida para os seus. Quando a pescaria não dava peixes grandes, o pescador chefe apanhava um bom punhado de peixes e piabas e colocava-os na sua cesta que serviriam para aliviar a fome da família. Seu Rodolfo muitas vezes saia de mãos abanando , com a cesta vazia mas nunca presenciei o mesmo reclamar ou mesmo pegar peixes sem autorização do chefe da pescaria.
Seu Rodolfo subia a praia e começava sua peregrinação pelas nossas casas onde nossas mães compravam logo aqueles peixes frescos , pesando-os em suas próprias balanças e pagavam o valor cobrado sempre agradecendo e encomendando para a semana seguinte, de tal modo que em pouco tempo ele já podia prestar contas com o pescador chefe e ficar com sua comissão. Em dias de sucesso como este, com dinheiro nas mãos se dirigia para a venda de Seu Nelo ( pai de Mi e de Zito) esquina da rua do Uruguai para comprar mantimentos que mandava para casa por seu filho e aproveitava para tomar umas cachaças ( chamava de gornopes) e virava um boêmio de marca maior, cantava com voz forte e entoava canções que gravei na memória de tanto ouvi-las. Trazia consigo um violão e se sentava a noitinha em um meio fio encostado num poste com luz . Os meninos da avenida iam chegando para assistir aquele artista improvisado e quando eu chegava próximo ia logo dando bronca reclamando porque ele tinha bebido demais e ele calmamente dizia Betinho, ele sempre tratava os meninos pelo diminutivo, tomei uns gornopes não nego, tive um dia muito complicado, mas prometo que não vou beber mais. Nós ameaçávamos de não mais ajuda-lo se ele continuasse bebendo os seus gornopes mas no íntimo queríamos resguarda-lo de sua saúde.Veja a sensibilidade do Seu Rodolfo com a letra de uma das músicas que sempre cantava, com voz firme e entoada acho que é anterior ao período do cantor Orlando Silva, e que gravei na memória e canto ainda hoje, sempre em momentos de recordação dos nossos tempos de infância felizes:” Meu grande Amigo”.
Escuta meu Grande Amigo
Preste atenção no que lhe digo
Vim despedir-me de Ti
Meu Amigo até agora
Não sabia que Eu ia embora
Por causa de uma mulher
Trocamos um abraço forte
Desejo-lhes boa sorte
Incontinenti partí
Para não cometer um erro
Preferí esse desterro
Com toda resignação
Para Ele a vida é bela
Hoje Ele vive com Ela
E Ela no meu coração.
Observo que tal qual a letra a música é muito bonita , adaptada para violão, do tipo romântica roedera.
Algum tempo depois Seu Rodolfo, conseguiu um terreno a beira mar numa colônia de pescadores em frente ao porto de Maceió e quando íamos para sua casa pele praia passávamos por debaixo do trapiche (nosso mini paraíso para pular e tomar banho de mar com a maré cheia). Desmontou seu barraco antigo do Salgadinho com ajuda de vários meninos da avenida e aproveitou para construir a nova morada. Conseguimos arrecadar dinheiro compramos tijolos , telhas e outros materiais de tal modo que a nova casa ficou muito melhor em todos os sentidos que o barraco anterior que era isolado sem qualquer vizinhança. Seu filho mais velho já trabalhava e tinha uma boa carroça e era um bom pedreiro que ajudou na construção da nova casa.
Várias noites após o café os meninos da avenida se reunião no banco da praça junto ao Coreto e partíamos para a casa do Seu Rodolfo pela praia e logo após passar por baixo do trapiche chegávamos nas proximidades e no escuro fazíamos o anúncio de nossas presenças então ele gritava de alegria : Santinha ou Santinha veja quem chegou ,os meninos, vamos entrar e sentar a mesa para tomar a sopa de peixe que era servida mesmo afirmando que já estávamos de barriga cheia , a nossa recusa não era aceita e tomávamos aquela sopa de cabeça de peixe.As nossas mães sempre mandavam por nós ,alimentos , dinheiro e roupas , deixando Seu Rodolfo e dona Santinha bastante felizes.
Nos anos 60 me transferi para Recife para cursar engenharia e nessa fase da vida as brincadeiras vão sendo paulatinamente substituídas pela responsabilidade profissional e a nossa juventude desabrocha em inúmeros sonhos, queremos resolver tudo, participar de tudo, resolver os problemas do mundo, cuidar dos amigos , da política, formar família e quando vamos dar conta de como estão nossos contemporâneos que ficaram somos surpreendidos pelas mudanças que o tempo realiza implacavelmente. Digo isso porque aconteceu comigo e senti como se culpado fosse quando um dia a Dona Santinha chegou no apartamento de minha mãe , na Pajuçara , bem velhinha, exatamente no dia que eu estava em Maceió e ao ir embora disse que Seu Rodolfo estava morando na ponta da terra , não andava mais , ficava na cama ou sentado e que eu fosse visitá-lo quando quizesse, o que não aconteceu. Infelizmente a vida é assim. Felizmente porque mantive na memória a sua imagem de quando era um bom artista.
Recife,4 de maio de 2011
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