Uma coisa que eu prezo e sempre que possível tento dar sustança, são as amizades que tive na infância e adolescência, mesmo porque ocorreu uma total mudança de conceitos e valores , com divergências gritantes entre a nossa e essa geração atual.
Na nossa infância, tivemos o privilégio ser livres, leves e soltos na expressão ampla do termo.Nossas amizades tinham robustez, convivíamos todo dia e nossos exemplos eram de solidariedade, confiança mútua, ajuda recíproca e respeito aos mais velhos indiscriminadamente; éramos como irmãos.
Nossos interesses, se existiam, eram ingênuos, mas às amizades feitas depois desse período, por melhores que sejam, sempre existe um interesse; aí reside a grande diferenciação.
Como exemplo, posso citar o caso do Grapete e do Biu, ambos faziam parte de nossa turma, mas como não situação financeira igualitária, ficava por nossa conta, o cinema, o sorvete e demais despesas que realizávamos em conjunto.
Existia muita briga entre nós; principalmente pelas disputas em jogo de botão, partidas de futebol, trincheira etc, mais breves; eu e o gordo Luciano brigávamos sempre, havia os incentivadores meus e do gordo, porém à noite já estávamos de bem, para voltar a brigar no outro dia . Eu e nego Lelé vivíamos nos chamando de “irmão da Rosita” e “irmão da Bebé” porque “de mal”, ou seja, brigados, podíamos jogar, brincar, etc. porém não podíamos pronunciar o nome do outro.
A turma era coesa, nos desentendíamos, mas não aceitávamos qualquer interferência de terceiros, como a da praça Rayol, da Sinibú etc.Daí dar origem a litígios entre às turmas. No São João já era tradição nosso enfrentamento com a turma da Praça Sinibú, na base dos tiros de combate e bombas; nosso maior fornecedor era o Dr. Bené que comprava caixotes de fogos para os filhos, principalmente tiros de combate,sempre solicitado por Luciano e irmãos, nosso arsenal . Logicamente que nossos pais não sabiam que os fogos que compravam era para as disputas.
Nós invadíamos a Sinibú, botando a turma de lá para correr e vice-versa; lembro-me de um caso interessante nessas pelejas, ao sermos atacados por aquela turma, nessa oportunidade, estávamos prevenidos e conseguimos botá-los para correr pela praia e para o azar deles, o salgadinho estava cheio, o que os obrigou a jogar seus fogos na água e prosseguir nadando sob nosso fogo serrado. Nessa ocasião Alberto lançou um foguete sobre o Dimas que raspou a cabeça, e ele ficou tempão com uma facha sem cabelo na cabeça.
Foi a nossa grande vitória, pois alguns deles, ao chegar em casa todo molhados, receberam uma sova dos pais; foi a glória, o boato correu solto entre várias turmas.
Ao contar esse fato, pretendo principalmente demonstrar a total diferença entre as turmas e as atuais Ganges; nas turmas não existiam armas de qualquer natureza, brigávamos a muque, não existiam inimizades sérias, pois após as disputas encontrávamos para discutir os acontecimentos, daí as gozações que faziam parte do cotidiano.
Na Avenida havia duas turmas bastante distintas, os maiores e dos menores, da qual fazíamos parte. Os maiores dificilmente deixavam que participássemos de seus encontros, com exceções do Helio Miranda que era nosso técnico, Diacuí, Alberto, Waldo e Rafael Perrelli que eram intermediários, os outros achavam-se em nível superior, só ocorrendo maior integração em nossa adolescência que passamos a sair juntos.
Para caracterizar esta diferenciação, contarei um fato ocorrido que atesta a situação; quando fizemos o roubo histórico da cabra Margarida, para os festejos juninos, soubemos que a turma dos maiores queria subtrai-la de nós, então providenciamos uma espingarda 32, carregamos dois cartuchos de sal para atirarmos na bunda dos novos ladrões; deixamos a Margarida pastando tranquilamente no quintal do Euricão e ficamos de tocaia nas bananeiras.
No começo da tarde aparecem Betuca, Nequito, Leo e Ciridião no muro da casa de tia Zeca, o Beta já tinha colocado a perna para pular, mas Leo previdente, diz, Beta esses meninos não deixariam essa cabra de bobeira, é fria, vamos embora, após muita discussão, desistiram sob protesto do Betuca. Nas bananeiras o Emilio estava ansioso, pois tinha ganho na porrinha o direito dar o tiro de desagravo, o que graças a Deus não aconteceu.
Conversa tem perna curta, Betuca soube do que escapou e, como vingança, no domingo seguinte reuniu os maiores e quando fomos tomar banho de mar, nos pegaram e tiraram nossos calções, deixando todos nus dentro d’água, colocando as peças no alto da amendoeira. Só no final da tarde o Emílio foi buscar nossas roupas; deixamos de almoçar e levamos uma enorme bronca de nossos pais.
Durante o verão, todas as noites após o jantar, nossas mães sentavam na porta para tomar fresca e fofocar e nossos pais ficavam nos bancos na avenida batendo papo; nós aproveitávamos para brincar de garrafão, rouba bandeira, ximbra, pinhão ou de cowboy no coreto. Pontualmente as dez horas todos se recolhiam.
Longe se sermos santos, muito pelo contrário, mas a não ser a brincadeira de dar dedadas que era de mal gosto, éramos por demais inventivos, sem qualquer apelação para a violência, humilhação ou safadeza
Naquela época, viado era nome feio, existindo discriminação mesmo, inclusive nossa turma não os aceitava, era no cacete, com exceção de um que protegíamos por fazer parte da turma.
Não me lembro quem iniciou, mas foi genial, contávamos que o Celite estava espalhando na cidade que a pessoa tinha tirado as calças e sentado no seu colo por várias vezes, que ele era funcionário do Centro Metalúrgico, loja por demais conhecida, localizada no centro do comércio. Foi um Deus nos acuda, o Sr.Agnaldo que era um chato, não agüentava mais de informar que não tinha nenhum Sr. Celite como funcionário à pessoas alteradas, deu briga feia e cadeia. CELITE era uma marca popular de vaso sanitário.
Outra brincadeira bacana da turma foi de iniciativa do Emilio. Todo ano, o dr. Helio Gazzaneo fazia uma festa de natal em sua casa e fazia a entrega de presentes; o Papai Noel era um irmão de D. Maristela e responsável pela entrega, retirando os presentes de um saco vermelho.
Como seus filhos faziam parte da turma, os menores eram convidados e Dr. Hélio comprava um presente para cada. Acontece que ao jogarmos bola no quintal, onde havia um dos nossos campos de bate bola na véspera da festa, o Emilio viu quando levaram grande quantidade de pacotes para um quarto que ficava junto da sala de visitas (existia naquela época) e, me chamou juntamente com Lelé para nos escondermos até o final da tarde, quando os donos da casa saíram, então munidos de uma caneta subimos no telhado, destelhamos no citado quarto e pulamos para dentro, onde trocamos os nomes dos presenteados pelos nossos. Não deu outra, foi um vexame, pararam a distribuição, mas ao final devolvemos os presentes.
Outra idéia genial, foi a criação de uma rádio no colégio Guido para filarmos a prova de química do Professor Gelio Medeiros no primeiro ano cientifico. Nessa brincadeira, da turma só participaram eu e Emilio que estudávamos naquele colégio.
Tínhamos o clube Avenidense, mas fundamos outros que não prosperaram para os campeonatos de botão, de 2x2 no coreto dentre outros; mas freqüentávamos o Clube Fenix, onde jogávamos futebol de salão, vôlei e basquete, mas o grande feito da turma foi a vitoria contra o Tenis Jaraguá no primeiro jogo de futsal realizado em Maceió, no ginásio da Fenix, onde fizemos a preliminar do jogo da seleção alagoana de basquete contra Pernambuco, nesse jogo ganhamos por 3x2, sendo nossos gols de Esquerdinha, Biriba e Lelé.
Nesse tempo não existia qualquer tipo de drogas; a primeira vez que tivemos ciência aconteceu, quando já adolescentes, estávamos jogando bola no coreto, e fomos avisados que tinha um maconheiro debaixo da ponte do salgadinho. Seguimos para lá e encontramos um indivíduo com aproximadamente vinte e tantos anos com os olhos vermelhos e arregalados, deitado e vomitado. Esse quadro grotesco, livrou-nos da aproximação ou interesse pelas drogas.
Três locais foram de grande importância para a turma. O sítio do Taboleiro dos Martins do Dr. Ulisses Braga, onde nas férias íamos com freqüência, ficávamos instalados num prédio anexo a casa, onde às vezes juntávamos mais de dez meninos. Tinha um bom campo de futebol e frutas de toda espécie, não esquecer as disputas de Jogo Imóbiliário, War, damas etc.
Quem tomava conta da turma era a Marina, irmã do Luiz Policarpo, empregada de extrema confiança da família, que terminou seus dias criando também os filhos do Felipe.
O Engenho Mataraca também recebia nossa visita, principalmente eu, Emílio e Lelé, onde desfrutávamos de andadas a cavalo, caçadas e pescarias. A noite íamos para Atalaia, onde começamos as paqueras, os guerreiros e zona de meretrício.
E a casa de Tio Mario e Zeca que era uma verdadeira pensão, sempre tinha comida à nossa disposição, a turma dos maiores eram quem mais aproveitavam, inclusive, o Aurino Malta a chamava de Mãe Zeca. O doce de mangaba era irresistível.
Atualmente inimaginável, Dr. Ulisses , D. Creuza com Marina , Tio Celso , Tia Liéne e tios Mario e Zeca recebiam uma cambada de meninos sem qualquer problema; inclusive, éramos tratados iguais a seus filhos, tudo nos era oferecidos com o maior prazer; havendo em contrapartida a total confiança de nossos pais; era um outro mundo.
Isto, para dar exemplo, pois havia outras casas que também freqüentávamos como a do Bené Bentes no farol, a do Melé na Mangabeiras dentre outras.
Tudo o que é bom tem um fim, começou a desmembrar com a mudança do Luciano e seus irmãos para o Farol; depois a preparação para o vestibular e por aí foi.
As amizades de infância foram substanciais e continuam até hoje à prosperar e engrandecer.
Infelizmente nossos filhos e netos não conseguiram estabelecê-las, pois com a proliferação da violência, das drogas, da insegurança; restando para eles os colegas de colégio, de prédio etc., o que é uma pena.
O mundo mudou, juntamente com seus conceitos, necessidades, confiança, solidariedade, apareceu a malfadada TV ensinando tudo o que nefasto, trazendo aos lares uma visão maléfica das minorias.
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