Eu morava fora de Maceió, mas sempre achava uma maneira de vir no carnaval. Seja em férias, licença ou feriado. Os carnavais eram de uma animação e de um alto astral que fazia bem ao espírito, aumentava a alegria de viver de cada um de nós, mancebos e mancebas de uma terra bonita, onde todos se conheciam, se amavam. No carnaval a ordem era cair no passo, dançar o frevo, sambar, se esbaldar, curtir, namorar.
A temporada carnavalesca começava com o Baile de Máscaras logo após o ano novo. Baile chiquérrimo, com fantasias e máscaras obrigatórias ou traje a rigor. Muitos senhores vestiam seus smokings. Os foliões pulavam até o Sol raiar.
Enquanto esperava o carnaval chegar, nos sábados havia festas pré-carnavalescas: Noite no Hawai, Preto e Branco, Baile Tricolor. Os surdos e tamborins começavam a esquentar nessas festas, onde a paquera era escancarada. Início e término de muitos namoros. Os mais sabidos entravam solteiros no carnaval.
No domingo antes do carnaval acontecia o Banho de Mar à Fantasia. A Avenida da Paz ficava apinhada de foliões. A C.O.C. organizava concurso de fantasias, blocos e críticas (sempre bem humoradas malhando o governo ou nossos costumes). Destaque para uma turma irreverentíssima formada por: Rubem Camelo, Alipão, João Moura, Napoleão, Bráulio Leite, Vadinho, Santa Rita. O Fusco dava seu show particular, além do Tarzan e senhora.
Durante a quinzena anterior ao carnaval, a Prefeitura organizava uma animada Maratona Carnavalesca toda noite no Comércio, com corso e muito frevo. Os carros desfilavam com as meninas sentadas nos pára-lamas dos carros, jipes e caminhonetes abertas. Saltávamos nas esquinas onde havia uma banda tocando o frevo. Ali se misturava a burguesia, a classe média com o povão, os estivadores, as empregadas, soldados, pedreiros, lavadeiras e putas. A Maratona só terminava quarta-feira de cinzas.
O carnaval iniciava no sábado de Zé Pereira. Depois do corso tínhamos duas opções para os clubes: CRB ou Tênis. No domingo além da matinal da Fênix havia à noite o Baile dos Marujos no Iate ou o Baile da Fênix.
Certa vez coincidiu meu aniversário com o último dia de carnaval. Nessa terça-feira a Escola de Samba Unidos do Poço animava a matinal da Fênix. Depois da matinal levei alguns amigos para casa. Minha mãe concordou na maior animação. Era uma festeira. Comandei a bateria da Unidos do Poço, sambando pela Avenida até minha casa. Comemoramos meu aniversário até o anoitecer ao som dos tamborins. Era o início da despedida do carnaval.
Ainda agüentei ir ao corso depois de tomar um banho. Estava cansado, com medo de não agüentar o restante do último dia, quando Paulo Sá me viu naquele estado, cochichou no meu ouvido: “Levante-te Capita, vamos até ali”. Entramos num bar na Rua da Praia. Paulinho pediu um copo d’água, deu-me uma pílula vermelha com recomendação: “É um energético para recuperar o cansaço, uma pílula milagrosa!”
Chegando em casa recomendei que me despertasse à meia-noite, estava com medo de perder a última festa. Quando a empregada foi me acordar, eu já estava pronto de banho tomado, vestido com um macacão. Dormi um pouco, meus lábios formigavam, estava recuperado, zerado, disposto a cair no carnaval.
Pensei na pílula do Paulo Sá, vá ser milagrosa assim na p.q.p.
O Baile havia começado tocando marchinhas bonitas para alegrar o coração dos foliões. Eu dançava nas cadeiras, no salão, em todos lugares. A festa foi se animando com muita mulher bonita. Até que lá para três da manhã o presidente Dr. Ardel Jucá anunciou o folião do ano, escolhido por unanimidade. Fiquei surpreso quando falaram meu nome. Com muitos aplausos recebi o prêmio oferecendo à milagrosa do Paulo Sá. Havia quebrado uma tradição de vários anos, quando Pitão e Ednor Bitencourt se alternavam no prêmio de folião do ano.
A festa continuou até o Sol raiar. Finalmente a orquestra desceu do palco tocando, deu várias voltas no salão até se dirigir e conduzir a multidão para praia onde continuaram dançando e cantando: “É de fazer chorar...quando o dia amanhece...e obriga o frevo acabar...Oh! quarta-feira ingrata...chega tão de pressa só pra contrariar...” O carnaval terminava com um banho de mar com a fantasia suada e cansada. Yemanjá a tudo assistia e abençoava com alegria.
Jovens alegres, molhados, cansados, deitados, esparramados embaixo das amendoeiras da Avenida, sentia saudade daquele carnaval que findava. Alguns de mãos entrelaçadas, abraçados, outros se beijavam. Quico e Alice, namoro de carnaval. Socorrinho e Clailton namoro antigo. Um bando de jovens bonitos e felizes se reunia aos poucos: Bebete, Lourdinha, Ângela, Zito, Nia Malta, Vladimir e Guilherme Palmeira, Uchoa, Bárbara, Lelé , Salete Toledo, Vadinho, Frazão, Teca, Vânia, Carmen, Bethânia, João, Ana Amélia, Suely, Martinha, prima que ti quiero prima. Todos unidos pelo cansaço e pela saudade da folia que havia terminado. O que nunca se acabou foi o carinho, a amizade de todos nós.
Certa hora alguém falou em tomar café e uma saideira na casa de Dona Zeca. Levantamos, andando devagar feito o Exército de Brancaleone. Alguns descalços, outros sem camisa, namorados de mãos dadas, amigos abraçados. O dia estava claro, o mar e o céu passavam do alaranjado da madrugada para o azul-esverdeado, brilhante de uma luminosa manhã de quarta-feira de cinzas.
No lento andar, Vladimir iniciou cantando a marcha da quarta-feira de cinzas, e todos nós acompanhamos como se fosse uma premonição. Nem alegres, nem tristes, sabíamos que alguma coisa estava para acontecer, deu uma sensação de perda. Alguém chorou sem saber o por quê. De mãos dadas cantamos com o coração, perambulando pela Avenida: “Acabou nosso carnaval...Ninguém ouve cantar canções...Ninguém passa mais brincando feliz...E nos corações saudades e cinzas foi o que restou...E, no entanto, é preciso cantar, Mais que nunca é preciso cantar ...e alegrar a cidade...”
Aquele tinha sido o último dos nossos carnavais.
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