terça-feira, 30 de junho de 2015

OS TARADOS DA AVENIDA por Carlito



No início do século XX, Bebedouro era o bairro mais chique, mais festeiro, mais rico de Maceió. Restam algumas mansões, bonitos palacetes de famílias tradicionais embelezando o bairro. 

                 O Brasil não foi à Guerra, entretanto, ao terminar a Primeira Guerra Mundial (1918), o prefeito de Maceió comemorou com o povo o fim da guerra na então “Praia do Aterro”. Depois de bons goles de cachaça, prometeu, ali construiria uma bela Avenida, a Avenida da Paz.

             Político de palavra ( existia antigamente), logo iniciou a obra, a Avenida ficou linda, começou a desbancar Bebedouro, a burguesia foi se transferindo para a Avenida da Paz, construindo belas casas, mansões. Nessa época apareceu a moda do “banho salgado”, hoje banho de mar, a mulherada moderna vestia maiô até o joelho, caía na água. Maior sucesso, alguns achavam um escândalo. Vinham homens, velhos, meninos do interior apreciar as modernas senhoritas de maiô aparecendo a batata das pernas, causava reboliço entre os marmanjos. Nessa época também foram aparecendo os primeiros “tarados”. Nos anos 40 o maiô já havia diminuído o tamanho, subindo até a metade da coxa, quanto mais diminuía o tamanho do maiô, mais aumentavam os discípulos de Onã na esplêndida praia da Avenida da Paz.

         Nos anos 50 eu era um jovem maloqueiro de praia. Nadava singrando a calmaria do mar azul esverdeado, pulava da cumeeira dos trapiches mar adentro, jogava bola na areia dura, pescava nas jangadas, puxava rede, a Avenida da Paz foi berço esplêndido. Entretanto, o esporte predileto dos meninos da avenida depois do futebol, era ficar na areia olhando, que nem jacaré, as belas mulheres estendidas na areia, pegando um bronzeado. 

          É próprio do homem o “voyeurismo”, olhar os encantos da mulher. Alguns não se controlavam, praticavam o onanismo em esdrúxulas situações. Naquela época, os meninos com cara de santinho frequentavam rodas de conversas das moças na praia, olhavam discretamente o corpo dourado das jovens, quando entravam na água não havia quem segurassem.

       Gaguinho era mestre, aproximava-se das desavisadas de maiô, deitava de bruços, cavava uma cova, adaptava a mão, estimulava suas fantasias. Certa vez, um amigo percebeu o Gaguinho em posição de trincheira perto de sua belíssima irmã, foi chegando por trás, devagar, de repente virou o Gaguinho em vias da apoteose final. Levaram o “tarado” para a Delegacia de Jaraguá. Ficou preso.

        Certo verão ela apareceu vestindo o primeiro biquíni em Maceió. Bonita ruiva, dizia-se atriz, hóspede do Hotel Atlântico, sustentada por um rico fazendeiro. Toda manhã descia à praia, como de fosse uma liturgia, estendia a toalha, enfiava o pau da sombrinha na areia e armava. Devagar, cheia de preguiça, tirava a blusa, aparecia parte do biquíni pouco cobrindo os seios. Em seguida, como fosse um strip-tease, descia lentamente o short requebrando os quadris, movimentos harmoniosos, sensuais, passando pelas pernas até transpassá-lo por baixo dos pés. Finalmente levantava o short com o pé direito como se chutasse o vento. Ainda em pé, dobrava o short, a blusa, colocava-os junto à sombrinha. Deitava lentamente, de bruços, deixando o sol da manhã acariciar suas pernas, seu dorso. Foi o grande espetáculo daquele verão. Os homens se deliciavam com o ritual erótico da musa dos cabelos de fogo. 

             “Chaina”, sua cachorrinha pequenez, ficava amarrada no pau da sombrinha. Às vezes, ela se soltava para alegria da moçada correndo, tentando capturá-la para receber o agradecimento, e olhar de perto as penugens douradas nas coxas da magnífica. Depois que Chaina começou a frequentar a praia, o número de tarados aumentou nos mares da Avenida.

        Muita gente graúda entre eles. Certa vez fizemos uma votação para eleger o maior tarado da praia. Em terceiro lugar, "Punho de bronze", foi para um jogador de futebol. Segundo lugar, "Punho de prata", ganhou um coroa, vestia um velho calção de banho, passava o dia vadiando na praia. E primeiro lugar, "Punho de ouro", fez-se justiça, ganhou um comerciante muito conhecido, era prático, profissional, conta a lenda, todas as suas calças tinham bolsos furados.

        Hoje, ao caminhar pela praia da Jatiúca, apreciando os corpos deitados, belamente bronzeados, lembro dos velhos tempos da Avenida da Paz. Com tantas mulheres semi nuas, os tarados da Avenida iriam enlouquecer.

sábado, 6 de junho de 2015

MEU QUERIDO PRIMO WALTER por Carlito



Sábado à noite senti-me atordoado quando Socorrinho telefonou-me comunicando sua morte, uma tristeza profunda me invadiu, chorei, chorei feito um menino, aquele menino que nós fomos. Puxei sua foto no computador, de paletó, sério, como sempre foi na vida. Encarando a foto revi nos vestígios da memória um pouco de nossa história. Nascemos três primos em 1940, Mario Jorge em janeiro, eu fevereiro e você em março. A mais nítida recordação do fundo do baú é 1946, a chegada do navio Itanajé com minha família ao porto de Maceió. 

Tínhamos morado dois anos no Rio de Janeiro, o Capitão Mário Lima retornava à sua terra, alguns dias navegando na imensidão do mar finalmente chegamos a Maceió numa fascinante e luminosa manhã, o mar de um verde azulado, durante o ancoramento olhei ao longe a praia branca cercada por casas pequeninas, mal sabia, era a Avenida da Paz, seria o cenário de nossa infância, de nossa vida. Do navio direto para casa da Vovó Melinha, foi meu primeiro contato com a praia da Avenida. Durante o almoço misturavam-se parentes e amigos, lhe conheci, meu querido primo, você foi meu primeiro amigo de infância. Depois do almoço a grande família colocou cadeiras em baixo das amendoeiras, conversas, sorrisos, sonhos. Nós fomos brincar no coreto da Avenida, pulando abaixo, jogando futebol, corremos a praia de areia branca, molhamos os pés naquele mar que seria meu mundo.


        Meu pai alugou uma casa na Avenida, aos domingos, você, Mario Jorge e Warren vinham à praia, antes do banho de mar, jogar futebol na areia quente, brincar na Avenida, nossa praia, éramos os donos da Avenida.


   Muitas vezes o centro de nossas brincadeiras foi sua casa, centro de Maceió, Rua da Alegria 61. Todo dia 1º de janeiro, aniversário de sua irmã, Vânia, uma festa a correria perto da Rua do Comércio, inesquecível a Sorveteria Xangai de Seu Fon, sinto ainda o paladar, o sabor do crocante sorvete de chocolate.


      Certa vez inventamos de organizar um time de Futebol, Atlântico Futebol Clube, camisa branca com faixa vermelha no peito. Jogávamos todo sábado. Seu tio Mário, meu pai, era coronel do 20º BC, facilitava o jogo naquele campo maravilhoso. Inventávamos campeonato, contra times do Farol, Poço, Pajuçara. Você jogava com um gorro enfiado na cabeça, moda naquela época, melhorar cabecear ao gol. Quando ganhávamos  na terça-feira saía na Gazeta de Alagoas: "Vitorioso o Atlântico, batido o Palmeiras por 5 x 3". Quando perdíamos nosso repórter esquecia de passar a notícia.

Infância, livre, leve e solta, juventude alegre, saudável, hormônios à flor da pele. O homem é o produto do meio, levamos nossa infância por toda vida dentro de nós, agora, Walter, primo querido, você levou a feliz infância para a eternidade. 


Certa vez, você me convidou a estudar matemática com o professor Benedito de Moraes na Praça das Graças. Assistíamos as aulas juntos, ganhamos muitos lápis acertando problemas, tenho forte base matemática, raciocínio lógico, cartesiano, graças ao Professor Benedito, graças a você, meu primo. Tomamos rumos diferentes, fui para Escola Militar, você para escola de Medicina, tornou-se competente médico, o primeiro cirurgião pediatra das Alagoas. Eu tinha maior orgulho. Encontrávamos sempre nessa Maceió, certa vez você me confidenciou, ia noivar com Marta.

 Ao nascerem meus filhos você os pegou, acompanhou-os o resto das vidas, assim como milhares de crianças nessa cidade. Walter você foi cedo, 75 anos, entretanto, nos deixou o legado de sua honestidade, seu amor à medicina, às crianças, e nos deixou ainda seus filhos Ana Paula, Walter, Danilo, Eduardo, e a Betinha.

É isso mesmo, primo velho, tem de ter coragem para viver dignamente, a única certeza da vida é a morte, aliás, é a única niveladora da igualdade humana. Certa vez li um livro de Hemingway, iniciava com um poema de John Donnne, diz mais ou menos assim. "Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."

  Ouço os sinos, dobram por mim, até mais ver, querido primo.
 

domingo, 24 de maio de 2015

WALTER LIMA – MEU AMIGO IRMÃO por Paulo Ramalho



Marta “in memória”

Betinha sua dedicadíssima companheira nos seus últimos doze anos de vida, principalmente e especialmente nos dias finais.

Seus filhos, genro, noras e netos, meus queridos sobrinhos.
Vânia sua dileta e querida irmã.

Minhas senhoras e meus senhores, parentes e amigos de Walter.

A nossa amizade teve início no desabrochar de nossa juventude, na Avenida da Paz, onde eu morava, e ele ia para casa de seu tio General Mario Lima, para frequentar a então bela Praia da Avenida, na companhia de seus primos, nossos amigos-irmãos de infância.

Fez parte da equipe de nosso Atlântico Futebol Clube, com sede na garagem da casa de meus pais.

Foi pediatra de meus três filhos, por plena e total amizade e por coincidência e felicidade, nossas filhas entraram na mesma escola e no mesmo dia, concluindo o terceiro ano científico juntas, com mais algumas estimadas amigas, as quais mantém até hoje, uma firme e grande amizade.

Lembro-me que na comemoração dos quarenta anos de Marta, haviam apenas quatro casais, e eu tive o privilégio e honra de ser um deles e de ter compartilhado a comemoração de data tão importante.

Meu caçula, no final do ano de 2001, já havia passado e muito da faixa etária de seu atendimento e teve necessidade de retirar a vesícula.

Senti a necessidade de telefonar para o Walter e relatar a situação, foi quando ele de imediato me pediu que o avisasse quando estivesse certo o local, dia e hora da cirurgia, pois faria questão de assistir à cirurgia e deixar o Paulinho mais calmo e confortável com sua presença.

No dia e hora marcada, saiamos do apartamento na Santa Casa, Paulinho na cadeira de rodas, para levá-lo ao Centro Cirúrgico, quando a porta do elevador foi aberta, estava Walter, que puxou a cadeira e foi direto ao Centro Cirúrgico acompanhando o Paulinho, nos deixando mais tranqüilos.

Walter sempre foi presente em nossas vidas, disponível a qualquer hora e em qualquer ocasião. Sempre nos passou segurança em suas orientações médicas e sempre demonstrou preocupação com a recuperação da saúde de nossos filhos, qualidade marcante que o distinguiu na profissão por sua imensa humanidade no trato de seus pacientes.

Tive a sorte e a graça de vê-lo consciente, na segunda-feira dia 11 p.p. Na ocasião, conversamos bastante como sempre fizemos em nossos encontros e ele até sorriu com uma brincadeira que disse com ele.

Tenho certeza de que ele está em um bom lugar, e essa certeza vem da Bíblia, onde Jesus disse em Mt. 19,13-16, “Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o Reino dos Céus”, e ele como passou a vida dedicada a esses seres tão puros e sem maldade, com certeza a cada dia e a cada atendimento, tornou-se puro e consolidou seu espaço na Morada Eterna.

Que Deus o tenha na Sua Maior Glória.

Descanse em Paz.

              Lourdinha in Memória, Paulo Ramalho, filhos, noras e netos


WALTER LIMA meu amigo irmão

Warrant*, sob garantia da,
Amizade
Lealdade, a
Todos
Especialmente
Respeito

Luz
Incondicional
Maior
Amizade



                                   Paulo Ramalho – 16/05/2015


        ( *Warrant: título de crédito sob garantia de penhor,
                             neste caso, da amizade, lealdade            e                  
                             respeito.)