quinta-feira, 29 de setembro de 2011

OS SINOS DOBRAVAM por Paulo de Castro Silveira

Bem que saí de casa para ir ao encontro do Emilinho – do Emilio Cardoso Filho. Antes, teria uma audiência da Junta de Conciliação e Julgamento, onde três gordos pontificavam. Eu, o Hebel Quintela e o Pedro Barbosa Júnior.

Hebel estava apressado.

- Vou ao enterro do Emilio, dizia.

Sei que minhas mãos tremiam. Também iria levar o meu sobrinho espiritual à última morada. O sobrinho filho do Emilio Cardoso e dona Elizabeth. Sabia que chorava, como choro agora, quando escrevo esta crônica de saudade. Repentinamente, o Pedro, encerrando a audiência, disse:

- Os sinos estão dobrando.

E aquele toque plangente, saudoso, de finados, me acovardou. Emilinho, não fui ao seu enterro. Fugi chorando de asfalto afora. Fui bater no “Mirante da Sereia”, lá para as bandas de Pratagy. E vi você, na piscina natural, menino, comigo, seu pai, sua mãe, seus irmãos, minha esposa, minha filha, naquelas tardes dos sábados em que fazíamos nossos folguedos em família, e você, Emilio, me pedia a benção, talvez pensando que eu fosse seu tio de verdade.

O mar era agressivo. As ondas não deixavam que eu ouvisse a voz de seu pai, me consolando, porque ele era um forte. Mas a voz dos sinos superavam a voz das ondas. E eu sabia que naquela hora você descia à sepultura, e podia ver dona Elizabeth e suas irmãs chorando, chorando, e então pude pronunciar baixinho aquela frase de John Danne: “ A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não me perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti”.

Pois, Emilinho, seu tio não pôde ir ao seu enterro. Não vai a sua missa. Mas, acredite, menino, que sofro como se perdesse um parente querido, porque você era como a Branca Rosa, o Draute, a Denise, a Estela, de quem você tanto gostava; a Cristina, Ricardo, o Dalminho, a Arícia, a Yara, a Martha, o João, o Eduardo, o Cuca, o Lelé, a Socorrinho, o Eurico, o Guilherme e Ricardo Braga, como seus irmãos, uma partícula dos meninos daqui da minha rua, da Avenida da Paz, meninos que sempre amei, e que podem crescer, mas que continuarei a chamar de meninos, porque os pais, os tios, os padrinhos, os amigos sinceros guardam na lembrança, as peraltices daqueles entes pequeninos, que crescem, mas, que simbolicamente são sempre pequeninos, e suas travessuras são subsídios para histórias cheias de saudade.

Por isto, menino, menino Emilio, sentindo sua partida temporária eu continuo ouvindo os sinos dobrando, chorando, como eu choro agora, Emilinho, para dizer finalmente, como qualquer pai, como qualquer tio:

- Deus te abençoe, meu filho.

GAZETA DE ALAGOAS – 13 de setembro de 1968

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

DONA SANTINA NONÔ por Cuca

Quando fiz um esboço sobre o professor Béu, comprometi-me em fazer algumas linhas sobre Dona Santina; mas, por ser de uma personalidade bem mais forte e polêmica, fiquei empurrando o compromisso, mas, agora, desejo cumprir a promessa.

Analisando sua forte presença, defino-a, como uma pessoa extremamente valente e generosa. Nos meus sessenta e seis anos bem vividos, afirmo que conheci poucos homens com a coragem de Dona Santina; o sentimento de medo, jamais foi demonstrado em qualquer situação.

Filha predileta do velho Nonô da Mataraca, respeitado por sua coragem e palavra; tinha o nome de sua avó, mais um fato para a proteção explícita do pai.

Muito prendada, tocava violino, pintava, costurava, cozinhava, atirava, adorava andar a cavalo, inclusive, era conhecida pois seu ginete, presente do pai, pulava todas as porteiras da fazenda Mataraca, mesmo estando de selim que era comum à época, sem qualquer apoio; todavia, tinha como marca indelével sua opinião, que defendia com unhas e dentes, adorava uma discussão, para extravasar seus pontos de vista, sempre bem equacionados e baseados em leituras e pesquisas.

Teve um único e grande amor em sua vida, o Béu, com o qual trocava cartas diárias, pela soupa, que fazia o trajeto Maceió/Atalaia, defendê-o até ficar viúva aos oitenta e três anos, mesmo separada já, há mais de vinte anos. Atribuo à causa da separação ao tio Pedro e Derzuíla que tinham ódio de mamãe, vez que ela nunca os bajulou; inclusive, comprou uma briga com eles, pela não aceitação de receber ALBERTINA em Recife, onde foi estudar no Colégio Regina Passe, ficando com a prima Geruza e Dr. Hercílio Auto nos finais de semana. Sendo considerado o rico da família, Pedro quando vinha a Maceió, era alvo de muito zelo pela família, mas Dona Santina não dava muita bola e sempre se impôs.

Dona Santina era uma pessoa brava e destemida, citarei casos que presenciei e participei, pois após a separação, voltei para morar com ela por muitos anos, mesmo depois de casado e, ela foi uma companhia assídua em minhas idas as minhas propriedades em Atalaia, S. Luzia do Norte, Traipú, Tranqüilidade e casa da praia em Coruripe.

Houve um desentendimento com o empregado da Tranqüilidade e dei um prazo para desocupar a casa, mas ele vinha enrolando a mim e ao Waldo; disse ao Waldo que iria retirá-lo por bem ou por mal; sempre tive porte de arma, mas esse dia, levei um rifle 44, uma caixa de balas, deixei com D. Santina no carro e saí para retirar o administrador, que, graças a Deus, prontificou-se a sair, retirando suas tralhas para o caminhão. Estava tranqüilo, pois tinha plena fé em mamãe.

Em outra oportunidade, ia para Coruripe no fusca de papai e, perto de S. Miguel dos Campos uma carreta ao nos ultrapassar, jogou-nos no acostamento, quase virando o carro; após o susto, seguimos viagem e, mais adiante em uma subida vimos a bendita carreta, tendo d. Santina pedido para que eu emparelhasse, pensei que iria dar uma bronca; mas, qual a surpresa ao vê-la abrir o porta luva, onde colocava o revolver , retirá-lo e apontar para o motorista , dizendo que respeitasse os menores atirando no pára-brisa, espatifando-o; era uma exímia atiradora, seguimos viagem.

Tendo comprado propriedade em Traipú, e precisando plantar capim, convoquei meu compadre Aloísio do Pilar para passarmos uma semana na fazenda que não tinha luz elétrica, apenas uma pequena palhoça com dois quartos, sala, cozinha e um sanitário, onde tinha um tanque que trazíamos água de uma cacimba atrás da palhoça. Sabendo de minha pretensão, mamãe disse que iria e ajudaria fazendo a comida dos peões e a nossa, não concordei, mas quando ela encasquetava, não tinha jeito. Levamos dois candeeiros de querosene, três redes, algumas roupas, toalhas, panelas, talheres, baldes etc.; e fomos na aventura. Mamãe ficou num quarto e eu e meu compadre no outro; a noite começamos a ouvir uns assobios ao redor da casa e, dona Santina do quarto, perguntou ao Compadre se era cobra, ao que o mesmo informou ser de caninana, cobra muito venenosa e comum na região. Tendo ela informado que só deveríamos descer da rede com o candeeiro, sem qualquer destemor. Logo cedo ia com o Sr. Aloisio buscar o pessoal no povoado de Olho D´a gua e só voltavam ao entardecer, a comida era preparada por mamãe; depois de deixar o pessoal; seguíamos os três para Traipú, onde fazíamos compras e tomávamos banho no rio S. Francisco. Passamos uma semana em Traipú, ela não reclamava, não tinha frescura, era notável.

Nas viagens que fazia para Paulo Afonso, na Bahia, para farrear e namorar, era assídua, pois adorava o sobrinho Geraldo, Laiz e sua irmã D. Argentina que era muito parecida com ela em todos os sentidos. Ficávamos na vila da Diretoria na CHESF, onde Geraldo era Diretor de Compras. Fazíamos pelo menos três viagens por ano, acompanhados por Clailton, Adilson e uma vez Emílio.

Era muito sincera e extrovertida, as pessoas a adoravam ou odiavam, não tinha meio termo; tomou medidas erradas ao meu ver, como a educação de Bebé, exigia muito e a obediência era total. Uma ocasião foi a Praça do Pirulito e trouxe Albertina pela Orelha, para que a mesma não se encontrasse com um flerte.

Como mãe, era uma leoa, nos defendia, alertava, observava e acompanhava nossos passos, principalmente de Albertina. Quando fiquei em 2º época na 3º série ginasial, fui obrigado a decorar todo o livro de ciências naturais, fiquei no sótão por um mês inteiro; tomava lição todas as tardes, com uma palmatória na mão. No ano seguinte, me enviou para o reformatório de Sergipe, o Colegio Jakson de Figueiredo, onde terminei o ginasial como interno.

Por ser malandro, levei muitas surras, principalmente por ir ao cais do porto para pescar, fumar escondido, tomar umas cervejas e, como não sabia mentir para ela, não tinha jeito. Mais devo a ela meu estímulo para ser uma pessoa de caráter.

Depois da separação, cismou de viajar para conhecer outras paragens, realizou varias excursões nos Estados Unidos, Terra Santa, Europa, Asia a as Américas do Sul, do Norte e Central.

No final da vida, gastou tudo o que tinha com seu neto, que adorava, e era correspondida, mas no meu entender, o prejudicou por demais.

Era minha fiel escudeira, elem de ir comigo toda semana para a fazenda, também acompanhava-me nas viagens para impetrar ações judiciais no interior, nas compras de gado, nas visitas aos compadres Madeiro e Geraldo, a Hidelbrando Sintra, Antonio Amaral, Biegas e vários outros.

Por idéia dela, fiz duas gincanas com meus sobrinhos e amigos do Albertinho, na Branca, comemorando antecipadamente seu aniversário; para ajudar levava tia Coralia, os meninos adoravam. Também por mais de uma vez levei para a fazenda a pedido de mamãe, suas irmãs Corália e as duas Marias que inclusive colocavam nomes no gado.

Foi a primeira pessoa a levar às sobras das refeições, para a criançada da fazenda, que esperavam por ela para almoçarem; isso há mais de 20 anos, que hoje é natural e corriqueiro.

Solicitava das amigas, roupas usadas, remédios, um kit de recém nascidos com banheira e mais de 10 itens que bordava e pintava fraudas, lençóis, etc.; doando-os ao empregados de minhas propriedades, onde realizava todos os anos as festas de São João e Natal, fazendo comida e dando presentes, aos funcionários, mulheres e filhos.

Comprava sementes de hortaliças, conseguia plantas e roseiras, fazendo e cuidando de hortas e canteiros. Todos os empregados tinham um terreno para plantarem verduras e criarem galinhas; sempre sob sua supervisão.

Contudo, depois de levar uma queda em seu apartamento e quebrar o fêmur, mesmo após a operação e colocação de pinos, mudou-se para Ponta Verde e, deixou de sair de casa, entrando em depressão, entregando-se à doença.

Já sem sair de casa, pediu-me para que fosse enterrada no Pilar, junto ao seu pai; mas o problema era que o mausoléu onde estão enterrados vovô e vovó é pequeno e tio Celso não aceitou seu pleito, abriria um precedente.

Mais indo ao cemitério, constatei que logo atrás do túmulo de meus avós maternos, existe um grande mausoléu da família Lima, de meu pai. Então, passei a cuidar do mesmo; e nele fiz o enterro de minhas tias Maria Alice, Virginia, papai e mamãe, que ficou ao lado de vovô Nonô, como desejava.

Mamãe veio a falecer aos noventa anos, praticamente fora de si, mas sofreu pouco, graças a Deus, e deu muito menos trabalho do que papai que sofreu mais e tinha plena consciência, sempre pedindo para morrer.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

UM PUXÃO DE ORELHA por Paulo Ramalho


O encontro mensal dos Meninos da Avenida ocorre sempre a partir das 12 horas, na primeira sexta-feira, agora no Restaurante Candelabro, no térreo do Clube Fenix Alagoano.

Este mês foi no dia 5 próximo passado, que apesar de uma pequena freqüência Eu, Alberto Nono, o Cuca, Carlito, o escritor e Secretário de Cultura de Marechal Deodoro, Lelé, o neguinho, Guilherme e Ricardo Braga, Eurico Uchoa e Sérgio Nobre, houve uma grande satisfação e alegria, pelo comparecimento de um avenidense, que já por diversas vezes havia dito que ia, e ainda não havia dado a satisfação de sua presença.

Trata-se de Roberto Mascarenhas, carinhosamente chamado de Betinho Mascarenhas, que morou em uma casa que tinha a estátua de dois leões na entrada, vizinha ao atual Museu Téo Brandão, antiga residência dos Machados.

Que a freqüência reduzida não o desestimule a voltar outras vezes, e se possível com seu irmão Jouber , que veio a ser meu primo, pois casou com Nina Maria prima irmã, filha de minha Tia Zuíla , irmã de minha Mãe .

Foi neste almoço que levei um puxão de orelha de meu amigo irmão de infância e vizinho, Guilherme Braga, o Guila na intimidade.

Quando escrevi Mais Um Causo dos avenidenses, que teve como figura central Bené, o Benedito Bentes, disse que ele morava quase vizinho a nossa casa, apenas uma nos separava, mas não falei quem morava na casa que nos separava.

Venho agora me retratar, pedindo desculpas pela minha falta, e dizer que os moradores eram os Braga, Dr. Ulisses , casado com Dona Creusa, pais de nossos amigos irmãos de infância, Guilherme e Ricardo que tiveram como babá a saudosa Marina.

Dr. Ulisses, advogado brilhante,intelectual, muito distinto , educado e professor titular e efetivo da Faculdade de Direito de Alagoas onde preparou grandes advogados que militam em nosso e outros estados.

Dona Creusa que veio a falecer quando do nascimento do terceiro filho Felipe, era uma senhora fina e muito educada.

Não sei se o Guilherme se lembra, que encontrei-me com ele na Praça Monte Pio, próxima a Faculdade de Direito, onde seu pai lecionava, hoje sede da Ordem dos Advogados de Alagoas, pouco depois do falecimento de sua genitora, e disse, Guilherme sonhei com Dona Creusa, contei-lhe o sonho e ele saiu com os olhos cheios de lágrimas.

Antecedeu aos Braga os Normandes, que depois foram morar na Fernandes Lima, esquina com a Rua Goiás e os Bragas no Tabuleiro dos Martins.

Naquela época, morar na Fernandes Lima era o máximo dos status.

Durval Normande era casado com Dona Silvia , senhora fidalga, muito educada e seus filhos eram, os homens Júlio, Manoel, mais conhecido por Né, Zeca e Henrique, as mulheres Nizia, Rosa, Eunìce e Helvina.

Júlio e Né não estão mais entre nós.

Eram muito amigos de meus pais, pois minha mãe conhecia Durval , desde solteira em União dos Palmares.

Interessante é que Durval veio a ser Bisavô dos filhos de Ricardo Braga, que foi casado com uma filha de Né Normande.

Júlio, no futebol dos Perrelli, realizado na praia da Avenida aos domingos, tinha o apelido de canela de trilho, ai de quem levasse uma canelada dele, e Henrique de Kirí.

Lembro-me, apesar de que estava com apenas 8 anos de idade, na cheia de 1949, quando caiu a ponte sobre o Riacho Salgadinho, próxima a nossa casa, e a água chegou ao quintal de nossa casas, Kirí no cangote do empregado, com um cabo de vassoura na mão, matando as cobras de duas cabeças que apareciam.

Fui convidado, não recordo em que ano, a participar de um grupo de danças organizado por Dona Maria Magalhães, que promovia esses eventos, a fim de angariar fundos para obras de caridade.

Neste ano a dança era o Coco, e os ensaios no Clube Fenix .

Estávamos reunidos, mas ninguém sabia dançar coco, foi quando alguém lembrou de Durval Normande, e foi buscá-lo em sua casa no Farol, ele veio com a maior boa vontade, e nos ensinou a dançar, e fizemos uma grande e bonita apresentação.

Guila mais uma vez peço desculpas pela minha distração, acredito que me redimi.

Beijo no coração de todos e fiquem com Deus.

Paulo Ramalho, agosto 2011.

domingo, 7 de agosto de 2011

SOCORRINHO por Carlito

Idosos não perdem a memória, às vezes fica esquecido. O fascinante do ser humano é que detalhes de um passado mais distante ficam perpetuados em nossa mente. Consegui programar minha memória só para bons acontecimentos, só recordo coisas boas, as ruins, os fatos sinistros, apago-os ou coloco-os em um arquivo morto, para ser feliz.

Lembro bem quando eu era menino, ano da graça de 1947, tinha sete anos, morava na Avenida da Paz nº 1074. No último dia de novembro, minha mãe deu mais um presente para família, nasceu Socorrinho a caçula, a última de cinco filhos. Alguém saiu com ela nos braços para mostrá-la aos irmãos. Eu estava curioso ao ver a recém nascida chorando como se tivesse fome. Fiquei emocionado e feliz da vida, não sabia que era uma premonição. Aquela menina chorona ia tornar-se uma das figuras mais importantes de minha existência.

Nossa infância na praia da Avenida e no riacho Salgadinho foi de muita liberdade e alegria. Na aurora de minha vida, nos meus 12 anos queridos, eu percorria toda redondeza pescando ou pegando caranguejo. Meus pais criaram os filhos com sabedoria e generosidade, mas menino é malvado, Socorrinho devia ter quatro ou cinco anos, eu já quase rapaz, pegava caranguejo pelo casco, ele abria as patas enormes, maldosamente eu amedrontava, achegava o bicho brabo perto do rosto dos pivetes, Socorrinho foi a vítima número um. Até hoje ela tem pavor, fobia a caranguejo, nem sequer sabe o gosto de uma saborosa caranguejada no pirão, por minha culpa exclusiva.

Certo tempo fui para Escola Militar, peguei um trem em Maceió até o Recife de onde viajei para Fortaleza. Durante 12 horas viagem entre pequenos morros eu admirava os canaviais verdes em contraste com o azul do céu, vinham lembranças de minha praia, meus pais, meus irmãos e principalmente da caçula que eu já era apegado. Disfarçadamente eu chorava.

Perambulei 13 anos pelo Brasil sem nunca deixar de passar férias em Maceió. Certa vez Socorrinho me confidenciou que estava paquerando, me apresentou seu namorado Clailton, a partir desse dia ganhei outro irmão. Está gravada em minha mente a figura de Clailton na varanda de nossa casa, com um violão cantando: “Oh cachaça amiga, não há quem me diga que não tens valor... e de saudade eu morro, vem em meu SOCORRO mais outra lapada”. Minha afinidade é tanta com Socorrinho que Clailton costuma dizer que só tem ciúmes de mim e de Chico Buarque de quem Socorrinho é fã de carteirinha.

Em 1967, promovido a capitão, vim morar nas Alagoas. Nada mais queria em minha vida, solteiro, morando em minha casa com o carinho, casa e comida dos pais e uma Maceió bonita, festiva, que me encantou. Nessa época, dos irmãos, apenas Socorrinho estava ainda na casa do General e Dona Zeca. Foi uma fase das mais bonitas e alegres de minha existência. Socorrinho era minha companheira, minha amiga para todos cantos, festas, casamentos, Zinga Bar. Eu adorava paquerar suas amigas. Ela fazia não gostar, dizia estar preocupada que eu fizesse sujeira, mas no fundo eu sabia que minha irmã tinha maior orgulho de seu irmão.

Nunca tive desentendimento com Socorrinho. Aliás, tive uma única briga. Certa vez nós discutimos, não lembro o porquê. No outro dia ela não falou comigo, raiva mesmo, ranzinza. Eu pensei e percebi que ela tinha razão. Socorrinho não só me perdoou, como me abraçou emocionada quando ao entrar em seu quarto, uma surpresa: sua cama estava coberta de rosas. Foi a única maneira que encontrei para pedir desculpas.

Em 1970 me casei, logo depois foi ela. Socorrinho tornou-se um esteio na família. Sempre foi a primeira chegar nos problemas, nas dificuldades da família, nos piores momentos, na hora da morte, como também na hora da alegria. Ela herdou de Dona Zeca o amor às festas, à família, ao natal, ao ano novo. Sua casa sempre foi cheia, Clailton feito o General, apoiando. Vieram três filhos, os sobrinhos do Capitão, quatro netos para a alegria da Vovó.

Está fazendo 60 anos daquela cena gravada em minha mente, a menina nos braços não sei de quem, sendo mostrada para os irmãos. Desde aquele momento veio nossa bem querência, nossa cumplicidade, amizade, o apoio mútuo, até os dias de hoje. Socorrinho tornou-se importante em minha vida, a maior incentivadora quando comecei a escrever aos 61 anos. Devo-lhe muito de minha alegria, de meu jeito de ser feliz!

DONA ZECA - A ÚLTIMA DAS MATRIARCAS por Carlito

Se é que pode existir, foi um enterro bonito, seus amigos foram chorar junto com a gente. A missa de cânticos lindos e sublimes fez parecer que a senhora estava sendo levada para algum lugar etéreo, puro, elevado, deve ser o céu mesmo.

Tudo foi muito comovente e dolorido. Seus filhos não lhe deixaram um instante. Seus netos naquelas horas de dor mostraram como a avó querida vai fazer falta.

A turma dos serviços estava no cemitério, inconsolável. É difícil, nesses tempos, empregados terem tanta dedicação e carinho ao "patrão". Cecília lavadeira de tantas épocas, chegou nas últimas horas, chorava, urrava, foi de doer no fundo da gente.

Maceió estava em peso no Parque das Flores. Desde os mais humildes até o governador, aquele, que a senhora era apaixonado, Divaldo, sabe? E o mais bonito é que os que lá chegavam, não era só pela família, foram mesmo lhe reverenciar, a senhora era querida demais.

Meus amigos, a maioria seus afilhados, choravam pela mãe Zeca, como carinhosamente lhe chamavam e lembravam os tempos das festas na Silvério Jorge. Os grandes almoços, os perus roubados que eram cozinhados e acobertados pela senhora. A sua alegria, sua energia, sua irreverência, sua bondade, seu amor à vida, todos comentavam.

Principalmente sua felicidade, porque mamãe nestes seus tantos anos, 50, foram convividos com outra extraordinária criatura o seu Mário Lima. Foi muito amor e felicidade.

São poucas a criaturas neste mundo de Deus que teve uma vida tão intensa de ternura, de vitalidade e desprendimento. Sua simpatia fazia bem a quem lhe cercava. A senhora passava esta energia positiva. Filhos, netos e bisnetos cresceram, se criaram juntos a sua saia.

Afinal no fundo, no fundo, com todo sua bondade, sua tolerância, sua indulgência, a senhora foi uma grande matriarca, a última das matriarcas. Porque estes tempos novos jamais produzirão uma outra dona Zeca.

Hoje terça-feira, era e seu dia, (filhos e netos cumpriam ritual de 10 anos desde a morte do general. O grande almoço semanal da mesa redonda na sua casa. Aquela carapeba que só dona Zeca sabia fazer. Tudo acabou. Como a senhora vai fazer falta, e como dói. Mas tenha certeza, nós não vamos desagregar. Seus filhos serão unidos, seus netos amigos.

Escrevendo em forma de relato para senhora, é porque como todo mundo sabe, a senhora ainda não teve tempo de olhar aqui para baixo, deve estar curtindo de montão, o seu amado Mário nesses paraísos de Deus.

É isso aí, Dona Zeca, todos lhe choram, mas têm sempre uma lembrança carinhosa alegre e cheia de vida para curtir.

“Ah, minha adorada mãe...Se lhe contasse que sua imagem adornei com flores..Que suas flores foram minhas preces...Preces colhidas nos jardins das dores.”

Gazeta de Alagoas janeiro de 1993.

GENERAL MARIO LIMA por Carlito



Papai,

Tudo está nos conformes como o senhor determinou. Fui ao 20º BC (ainda chamo assim o 59º B.I.Mtz.), resolvi a pensão de mamãe e os seguros. Foi fácil, o senhor deixou tudo organizado. Estou com os originais do livro, vou entregar ao Nabuco e ao Maya Pedrosa para fazer o prefácio e um resumo biográfico, pretendo publicar ainda este ano.

Francamente não esperava que o senhor se fosse naquele dia. Tinha ainda esperança que voltasse para casa por algum tempo. Tudo foi tão rápido, o vazio ficou total, a dor aperta, as lágrimas caem, aquela sua presença quase muda de homem que fala pouco, tornou-se uma ausência gritante.

A saudade é amenizada, porque tudo que lembra o senhor só tem amor, carinho, vida e alegria. Todos os amigos foram de enorme solidariedade no Parque das Flores ou na Catedral. Cada abraço e palavras de consolo recebidos foram frutos do amor semeado durante a sua vida. Jornais, rádios, televisões, telegramas lamentavam sua ida, agradeciam todos os favores e bens que o senhor fez. O Paulo Silveira disse que Alagoas ficou menor, o Zé Soldado ainda hoje dizia que homem igual ao general vem muito pouco no mundo.

Fala-se em tudo o que o senhor foi: militar, professor, homem de telecomunicações, provedor, diretor etc., etc. O gordo Seton indignado me reclamava o esquecimento que o senhor foi o melhor juiz de futebol de Alagoas. Até nessa heim papai? Era esse seu ecletismo que dava a originalidade de seu universo. O Sr. sempre jogou nas 11 posições, tenho certeza que onde estiver, será sempre escalado no 1º time, nunca um regra 3. Mas seu passe custou muito caro para nós.

Foi embora o Continente o conteúdo ficou, foi embora a carcaça mas a chama de vida continuará acesa em todos os seus filhos que passarão para os netos e bisnetos. Esse legado ninguém abdica, pode deixar que a peteca não vai cair.

Sabemos que o senhor está sentindo mais que a própria morte, é o sofrimento de todos. Sua preocupação sempre foi a de poupar-nos de qualquer dor. Como tudo que fez na vida: amenizando a dor, dando alegria e lição da própria vida.

Não pense que me enganou durante a enfermidade, tudo fez para esconder, mas estava sabendo da sua dor, de seu sofrimento. Suas últimas palavras foram para mim, perguntando na maca, para onde eu estava lhe levando. Respondi para a U.T.I., mas estava sabendo que lhe levava para um final de dor e inicio de um outro lado incógnito da humanidade. É a maior verdade da vida. A morte é a única niveladora da igualdade humana.

A reação de D. Zeca está a melhor possível, continua com a determinação que sempre teve, em casa, na cozinha, é sempre ela. Mas, dilacerada, partida ao meio, porque afinal o senhor era um pedaço dela. Eram uma mesma pessoa. Na sua dor, no seu sofrimento, tenho certeza que mamãe vai buscar a força interior que sempre teve, para continua vivendo para os filhos, netos que a adoram. E sabe de uma coisa papai, ela vai se tornar investidora, a grana do seguro vai aplicar, ter rendas, que diria heim, para quem...

Jornal de Alagoas 14 de janeiro de 1983

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

AS VIAGENS A PAULO AFONSO por Cuca

NA MINHA ADOLECÊNCIA O MELHOR LUGAR PARA CURTIÇÃO, ERA SEM DÚVIDA A CIDADE DE PAULO AFONSO, POIS NAQUELA ÉPOCA, PARA A CONSTRUÇÃO DAS HIDROÉLETRICAS, FOI NECESSÁRIO A CHESF OUTORGAR VANTAGENS A FIM DE TRAZER PARA AQUELE SERTÃO BRABO, BONS TÉCNICOS , ENGENHEIROS, ADMINISTRADORES, EMPREITEIROS ETC.

DESSE MODO, FORAM CRIADAS DUAS VILAS DENTRO DA CIDADE, BEM PROTEGIDAS POR GUARITAS, CONTANDO COM AMPLAS MORADIAS, PRAÇAS, CLUBES SOCIAIS, HOSPITAIS, SUPERMERCADOS, CINEMAS , IGREJAS E ATÉ UMA FAZENDA PARA CULTURA DE HORTALIÇAS, PRODUÇÃO DE LEITE E CARNE.

A VILA DOS DIRETORES E A DOS OPERÁRIOS; NA PRIMEIRA FICARAM INSTALADOS OS TÉCNICOS DE NIVEL SUPERIOR EM SUA MAIORIA ENGENHEIROS, GEOLOGOS, ADMINISTRADORES, ADVOGADOS, MÉDICOS, CONTADORES E NA SEGUNDA VILA OS OPERÁRIOS DE UM MODO GERAL.

A SEGURANÇA ERA FEITA PELA PROPRIA COMPANHÍA, SENDO DE UMA EFICIÊNCIA IMPAR, INCLUSIVE AJUDADA POR UMA GUARNIÇÃO DO EXERCITO TAMBÉM INSTALADA JUNTO A VILA OPERÁRIA.

ERA UM VERDADEIRO OASIS NO MEIO DAQUELE SERTÃO, OS TÉCNICOS E OPERÁRIOS TINHAM O PRIVILÉGIO DE NÃO PAGAR ALUGUÉIS, AGUA, LUZ, GAZ, TELEFONE E USURFRUIR DOS CLUBES SOCIAIS, ESCOLAS E HOSPITAIS POR UM VALOR SIMBÓLICO E COMPRAR MERCADORIAS NOS SUPERMERCADOS POR VALOR DE CUSTO.

POR CONTA DESSES BENEFÍCIOS, A CHESF MANTEVE POR VARIOS ANOS UM CORPO TÉCNICO DE ALTISSIMO NÍVEL, QUE IMPLANTOU ÀS HIDROÉLETRICAS E ALAVANCOU A CIDADE DE PAULO AFONSO, ANTIGA VILA POTY.

EU TINHA UM AMIGÃO PRIMO E COMPADRE QUE ERA DIRETOR COMERCIAL, MORANDO NA MAIOR CASA DA VILA FACE SUA NUMEROSA PROLE, NOVE FILHOS , O SAUDOSO GERALDO SILVA; E CLAILTON TINHA SEU IRMÃO MAIS VELHO LAILTON, QUE TAMBÉM MORAVA LÁ, PORTANTO FOI A SOPA NO MÉL; JAMAIS DEIXAMOS DE TER UMA NAMORADA EFETIVA NAQUELA CRESCENTE CIDADE.

NOSSAS VIAGENS SEMPRE ERAM A NOITE, PARA EVITAR O CALOR E A QUANTIDADE DE RETAS, TORNANDO-SE CANSATIVA E EXTENUANTE. FAREI O RELATO DE UMA DAS VIAGENS QUE RESOLVEMOS INICIA-LA ÀS 23 HORAS DE UMA QUARTA-FEIRA, APÓS UM JOGO NO GINÁSIO DO ESTADUAL, EU, CLAILTON E NEGO ADILSON; MAS AO PASSAR EM CASA PARA PEGAR A ROUPA E UM PNEU DE RESERVA, POIS COMO SEMPRE, ELES ESTAVAM DEVIDAMENTE CARECAS, DONA SANTINA DISSE QUE IRIA, SEM CONTESTAÇÃO, MAIS MAMÃE ERA ÓTIMA PARA VIAGENS,SEM QUALQUER FRESCURA, DAVA-NOS STATUS. DEPOIS DE DUAS TROCAS DE PNEUS TRES PILEQUES NOS BARES DA ESTRADA, DIA JÁ RAIANDO, PERTO DO CARIÉ, APARECEU UNS BODES, CLAILTON PEDIU PARA PARAR O JEEP, E DE REVOLVER EM PUNHO, A MENOS DE MEIO METRO DA VÍTIMA ATIRA UMA, DUAS, TRES VEZES E NADA O BODE ESTÁTICO OBSERVANDO O ATIRADOR, A SEGUIR SAI PELO CANO O CHUMBO E CAI NO CHÃO AOS PÉS DO CLAILTON. BALA VELHA, FOI A MAIOR GOZAÇÃO.

DEIXEI O CLAILTON NA CASA DO DAILTON E FOMOS PARA A CASA DO GERALDO E LAIS, ONDE, PELO MENOS PASSAVA PARTE DAS FÉRIAS E QUATRO VEZES POR ANO NAQUELE PARAÍZO.

A CASA DE MEU COMPADRE ERA DE UMA FARTURA IMPAR, E TODOS, SEM EXCEÇÃO ADORAVAM NOSSA PRESENÇA, MAMÃE ENTÃO ERA QUERIDISSIMA POR SEU ESTILO BRINCALHÃO E SINCERO. NAQUELE TEMPO, HAVIA SATISFAÇÃO EM RECEBER OS PARENTES SEM QUAISQUER INTERESSES, EXISTIA HARMONIA FAMILIAR, COMO TAMBÉM VIAJAR À NOITE ERA NORMAL, NÃO OCORRIA ASSALTOS , AS PESSOAS TINHAM PRAZER EM AJUDAR AO PRÓXIMO SOB QUALQUER ASPÉCTO. EM OUTRA VIAGEM FALTOU GASOLINA PELA MADRUGADA E, FOMOS SOCORRIDOS POR UM TENENTE QUE ESTAVA VINDO AO NORDESTE PASSAR AS FÉRIAS, ELE DERRAMOU A AGUA DE UM CANTIL E COLOCOU GASOLINA RETIRADA DO TANQUE COM UMA PEQUENA MANGUEIRA, QUE SEMPRE TINHAMOS COMO PREVENÇÃO. A MUDANÇA DE VALORES E ATITUDES FOI DRÁSTICA E TERRÍVEL.

NOSSA PROGRAMAÇÃO ERA CURTIR O CLUBE, A LAGOA DOS PATOS, JOGAR BARALHO, BANCO IMOBILIÁRIO, GUERRA, TOMAR UMAS E OUTRAS,DANÇAR, IR A FAZENDA, FAZER COMPRAS, ASSISTIR FILMES, MAS PRINCIPALMENTE N A M O R A R.

EM PAULO AFONSO HAVIA UM MULHERIO DE PRIMEIRA, TANTO PELA BELEZA, COMO PELA EDUCAÇÃO, CULTURA E ASSANHAMENTO TOTAL, ERA BÓTIMO. TINHA UM GUARDA MEU CONHECIDO, O ALCÂNTARA, QUE TINHA POR OBRIGAÇÃO DE LEVAR OS TURISTAS PARA VISITAR A CACHOEIRA, MAS COMO JÁ CONHECIAMOS DE CÓR OS LUGARES, CONVENCEMOS AO MEU AMIGO DE NOS LEVAR ATÉ O BONDINHO QUE ATRAVESSAVA A CACHOEIRA, FICANNDO ELE COM O JEEP, E ÍA NOS BUSCAR A TARDINHA; FICAVAMOS COM ÀS NAMORADAS NAS CASAS DE VIGIA, ATÉ À HORA ACERTADA DA VOLTA; ERA GENIAL.

TODO FINAL DE SEMANA TINHA DANÇA NOS DOIS CLUBES, COMPETIÇÕES E OUTROS EVENTOS, POIS A COMUNIDADE ERA MUITO ATUANTE E AMIGA E, GERALDO COMO DAILTON ERAM MUITO RESPEITADOS.

NESSA ESPECÍFICA VIAGEM VIMOS NUMA QUARTA FEIRA, APROVEITANDO UM FERIADO NA QUINTA E VOLTAMOS NA SEGUNDA FEIRA PELA MANHÃ. NA VOLTA, PERTO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS, O JEEP QUEBROU A CAIXA DE MARCHA, SOLTANDO OS PARAFUSOS, OBRIGANDO A CLAILTON A SEGURÁ-LA PARA NÃO CAIR. DEIXAMOS MAMÃE NA CASA DE DONA DORINHA, NOSSA VELHA AMIGA E FOMOS PARA A OFICINA CONSERTAR O JEEP QUE SO FICOU PRONTO NO FINAL DA TARDE, JANTAMOS E TOMAMOS BANHO NA CASA DE DORINHA COM SABONETE PHEBO, EXIGENCIA DO CLAILTON E COMO À TARDE TINHAMOS COMPRADO MUITAS PINHAS EM PALMEIRA DE FORA, COM O DINHEIRO DO ADILSON, CONTRA SUA VONTADE, MAS POR IDÉIA DO CLAILTON, TIRARIAMOS AS DESPESAS DA VIAGEM COM A VENDA DAS PINHAS NO MERCADO DE MACEIÓ. MAS COM A DEMORA DA VIAGEM, POIS, RESOLVEMOS DORMIR NA MATARACA, FACE A FADIGA DE TODOS, AS PINHAS AMADURECERAM DE VEZ, E, NÃO CONSEGUIMOS VENDÊ-LAS NO MERCADO; O JEITO FOI LEVA-LAS PARA A ZONA DE JARAGUÁ, ONDE, A MUITO CUSTO CONSEGUIMOS O CAPITAL APLICADO RECLAMADOR ADILSON.

FOI UM ESTILO DE VIDA COMPLETAMENTE DIFERENTE DO ATUAL, VALORES E ATITUDES QUE NOS DEIXAM SAUDOSOS E PERPLEXOS PELAS MUDANÇAS ABSURDAS CONCRETIZADAS.

sábado, 30 de julho de 2011

INFÂNCIA QUERIDA QUE OS ANOS NÃO TRAZEM MAIS por Carlito

Nasci e me criei na Praia da Avenida da Paz, quase às margens plácidas do Riacho Salgadinho, numa bela manhã de verão alagoano do 27 de fevereiro de 40, bem perto do carnaval.

D. Zeca, minha mãe uma doce, alegre e bela criatura. Morena, filha de dono de engenho, teve a felicidade de ter 31 irmãos legítimos e alguns bastardos.

Meu avô materno José Vieira Peixoto, primo-irmão do Marechal Floriano Peixoto registrou 15 filhos com a primeira mulher e 17 com a segunda, minha Avó América, mais nova que as 4 primeiras filhas. E ainda pai de vários tios nos engenhos da vida.

D. Zeca, uma das inteligências mais cintilantes que conheci, tinha pouco estudo, o que era normal para uma mulher, na época. Foi uma dama que irradiava alegria, a mulher mais festeira, mais alegre que convivi. Suas tiradas, seus comentários eram sempre inteligentes, de um fino e debochado humor.

Já meu pai um pouco sisudo, para quem não conhecia de perto, era um militar, Capitão do Exercito quando nasci. Tinha um coração e uma coragem imensurável.

Capitão Mario Lima, o herói da revolução de 1932 em São Paulo. Nos campos de batalha arrastou um soldado e um coronel feridos para a trincheira em pleno e generalizado tiroteio, as balas zuniam matando e ferindo soldados, mesmo assim saiu de sua trincheira e trouxe rastejando, arrastando os dois feridos.

Em 43, por conta desse ato heróico o então General Newton Cavalcante, alagoano da Palmeira dos Índios, grato ao Capitão Mario Lima por ter salvado sua vida, o convidou para ser Ajudante De Ordem do General no Rio de Janeiro.

Lá se foi toda família. Do Rio pouca coisa ficou gravada em minha memória. Lembro apenas, de balões enormes que soltavam onde morávamos, Rua Fernando Laboriaux na Tijuca; o nascimento de meu irmão Américo, que logo tomou o apelido de Lelé, nome do mais famoso jogador da época do Vasco campeão de 44-45. Tenho vagas lembranças de uma grande festa, a chegada dos pracinhas da 2ªGuerra Mundial no Rio, numa sala no Ministério da Guerra, jogava papel picado do alto do prédio nos pracinhas que desfilavam.

Outra tênue lembrança do Rio daquela época, foi a arrumação das malas para embarcarmos no Itanajé, navio da Costeira, rumo à Maceió, onde meu pai conseguiu sua transferência em 1946 e passou quase toda sua vida profissional no 20° Batalhão de Caçadores, unidade da Infantaria do Exercito de Maceió.

Quando aportarmos no cais de Maceió, fiquei deslumbrado com a vista do mar azul-esverdeado de uma luminosidade intensa; ao longe a praia e o casario da Avenida da Paz. É uma imagem ainda nítida e permanente que ficou para o resto da vida. Vou levá-la comigo, está impregnada em minha mente e em meu coração. Maceió foi meu primeiro caso de amor.

Menino ainda, aprendi a nadar, e amar aquela praia extensa, areia dura, branca e fina, e um mar que não tem tamanho de um azul esverdeado. Esse o cenário, o palco de uma infância feliz, menino seminu, dono do mar e das areias da Praia da Avenida.

Os moradores da Avenida da Paz eram a classe média-alta e rica daquele tempo, a fina flor, a elite econômica, social e intelectual.

Mas nós crianças éramos democratas com nossas amizades com os meninos moleques freqüentadores da praia, jogando juntos futebol na areia, nadando nas águas límpidas e transparentes.

Em Jaraguá, defronte aos casarões, onde as damas da vida vendiam seu corpo acolhendo os boêmios e marinheiros, havia trapiches fincados na área da praia, estendendo-se mar adentro, com bases em palafitas de troncos grossos. Na ponta, no final, um galpão de madeira, com duas águas de telhados de zinco, armazenava mercadorias, onde atracavam as balsas para transportar sacos de açúcar para os navios fundeados.

O cais de Maceió não comportava muitos navios, eram precisos trapiches para embarcarem o açúcar produzido nas usinas alagoanas.

Os maloqueiros da praia nadavam ate o trapiche, subiam pelas palafitas, chegavam aos telhados. Equilibrando-se no telhado de zinco quente, se tinha uma deslumbrante vista da enseada da praia da Avenida. Lá de cima os meninos se jogavam com o corpo esticado em livres mergulhos, uma deliciosa caricia no peito, no ventre, até o impacto com a cabeça na água límpida e cristalina.

Certo dia um menino, 12 anos, se jogou, e ali ficou, a maré estava baixa, foi imprudente, uma tristeza a retirada do corpo. A partir desse dia ficou proibido o salto do trapiche, não só pela direção do Cais do Porto, como também por nossos pais.

Mas éramos livres para obedecer, logo estávamos de novo a saltar da cumeeira, o lugar mais alto. E quando de repente aparecia o vigia; todos pulavam para o mar e nadando a molecada cantava gritando e uníssono: O galo canta....... o macaco assobia....... banana de jegue.... no cu do vigia!!!! O vigia era um velhinho abusado, chegou a prender alguns dos campeões de salto ao mar, modalidade única no esporte mundial, praticado apenas pelos maloqueiros da praia da Avenida da Paz nos anos 50.

Tempos de pós-guerra, criatividade de menino ilimitada, inventamos a guerra nas trincheiras de praia. A meninada dividida em 2 Exércitos para batalha, ninguém queria ser o alemão. Cada lado cavava sua trincheira na areia, no buraco cabiam 5 a 6 “soldados”.

Fabricava a munição na hora: bola de areia molhada endurecida com areia seca. Jogava as bolas duras nos adversários, apenas pelo prazer de acertá-las no rosto dos inimigos. Acabava a brincadeira ao anoitecer com um ataque à trincheira inimiga. Os Exércitos se atracavam, porrada dos dois lados, nunca havia vencedor.

O futebol na areia era o jogo o predileto, às vezes com campeonato organizados, juiz, traves e medalhas aos vencedores, terminava sempre em briga, ninguém respeitava o juiz. O jogo continuava até o anoitecer, até o gol da Lua, o ultimo gol, depois da Lua aparecer.

Ficou famoso o futebol de Perrelli, uma família de italianos, meus vizinhos Fernando, Betinho e Rafael, organizavam uma pelada aos domingos com trave, camisa e juiz. Era o mais famoso futebol de praia de Maceió. Várias gerações jogaram na pelada dos Perrelli, acabou nos anos 80 com a poluição do Salgadinho e a conseqüente poluição da Praia da Avenida.

Em certo dia, Warren Lima, meu primo um pouco mais velho, chegou alegre festejando com uma bandeirinha o campeonato carioca ganho pelo Fluminense. Participei da alegria e a partir desse dia, tornei-me tricolor do coração, uma de minhas paixões, quase irracional que me deu muita alegria. Devo esse meu amor ao tricolor ao grande Warren, que hoje vive nas mansas praias de Niterói.

Estudei o primário e secundário no Colégio Diocesano (Marista). Minhas aulas eram pela manhã. À tarde estudava o mínimo suficiente, fazia os deveres de casa, e saía em busca de brincadeiras e aventuras. Era gostoso pescar no Riacho Salgadinho quando a maré enchia. Empurrava uma jangada de tronco de bananeira para o meio do Rio, apenas um remo, de lá jogava a tarrafa aberta e bonita, enchia tainhas e carapebas.

Com uma tetéia e isca presa era só arrastar os siris de todo tamanho, os menores retornava ao Riacho. Sem saber, já havia consciência ecológica na meninada. À noite D. Zeca fritava aqueles peixes vindo do Salgadinho ou das redes dos amigos pescadores que deixavam os meninos pegarem as miuçalhas (peixe pequeno), uma delicia frito na manteiga.

Nas margens e imediações do Salgadinho, por ser terra salobra, lama salgada, se prestava à vivência, ao “habitat” de caranguejos, principalmente o goiamum azulado. Com lata quadrada de óleo ou azeite, nós fabricávamos as “ratoeiras” para capturá-los. Armava, com as tampas levantadas e uma isca no fundo. Colocava na saída do buraco, o caranguejo ao beliscar a isca fechava a “ratoeira”. Uma vibração, uma felicidade, quando a gente via a “ratoeira” com a tampa fachada e um baita goiamum preso.

No viveiro, um engradado feito de tiras de ripas de madeira, cevava engordava os caranguejos. Dias depois uma farra e caranguejada com os amigos, o caldo do gordo goiamum escorria pela boca, uma delicia.

Com peteca (atiradeira) a meninada brincava de Guerra de Mamona. Dividia a em 2 Exércitos, em torno de 5 soldados pra cada lado, por trás dos postes atirava com a peteca mamona no adversário, era a guerra. Certa vez levei uma mamona no olho esquerdo, uma dor terrível, fiquei 3 dias sem enxergar, sem poder abrir o olho.

Na época dos bons ventos, a molecada soltava “raia” (pipa-papagaio). Na praia, as raias eram empinadas com linha de cera e vidro para cortar, derrubar a do vizinho. O céu ficava de um colorido alegre cheio de raias de todas as cores. Meu irmão Betuca sempre foi um artista, fabricava as raias mais bonitas, lembro de uma enorme, com a bandeira do Brasil, foi uma sensação na praia, na avenida, na rua, todos que passavam olhavam encantados aquela boniteza de brincadeira de criança, balançando cheia de vitalidade de um lado para o outro, imponente, era a bandeira do Brasil, meninos, idolatrávamos esse país.

Bom mesmo era ximbra (bola de gude). “Lente” era o cara de boa pontaria. Eu vivia jogando e ganhando, tinha caixa de ximbra em casa, meus bolsos eram cheios para jogar nos intervalos no Colégio e à noite na Avenida. Havia vários tipos de jogos; triangulo e buraco meus prediletos.

Já no pião era um caos, sempre perdendo. Depois de jogar, o vitorioso tinha direito de, com o próprio pião amarrado com a enfieira, tentar com a ponta do pião quebrar o casco do pião adversário. Perdi muitos piões, até alguns que mandei fazer de goiabeira. Mas só o rodar o pião colocar na mão e vê-lo zunir, já deixava a gente feliz.

“O meu pião é feito de goiabeira... ele só roda com a ponteira... na palma de minha mão... dança morena.. no meio desse salão...requebrando o corpo todo.... no ronco desse pião.. roda pião... roda pião... roda pião...”

À noite o calçadão da Avenida da Paz se transformava em palco e campo de jogos. Correr no “Roubar-Bandeira”, jogo interessante. Dividia a calçada em 2 campos, um para cada equipe de 5 ou 6 menino(as), no final de cada campo colocava uma bandeira. O objetivo era entrar pelo campo adversário pegar a bandeira fincada e trazer para o próprio campo sem ser tocado pelo adversário. Quando alguém era tocado pelo adversário tinha que parar ficar imóvel até um amigo vir e tocar de novo, “soltar” o amigo. Ganhava quem trouxesse primeiro a bandeira do adversário pro seu campo. É um jogo de astúcia, velocidade e jogo de corpo.

Os mais fortes, mais parrudos se davam bem no “gata – parida’”. Um jogo de empurra nos bancos da avenida, onde cabiam 5 pessoas, sentavam apertados 7 meninos, e no empurra – empurra pelo corpo, os mais fracos são expelidos, até restar apenas um, o vitorioso que conseguiu expelir, à força, seus adversários para fora do banco.

Luís Gutemberg, grande jornalista e analista político alagoano, companheiro amigo de juventude de Maceió, hoje radicado em Brasília, escritor, romancista, tem um de seus livros, o titulo de “O Jogo da Gata Parida”, onde conta a briga de grupos pelo poder, a competição dos generais na sucessão presidencial, nos anos 70.

Além dos jogos coletivos tinham os esportes, as brincadeiras individuais. Os patins quando deixava a velocidade e a leveza tomar conta do corpo, deslizando feliz nas calçadas da cidade.

De bicicleta, bati todos os caminhos de Maceió, sem destino, atrás de namoradas, às vezes atrás de empregadas nas vizinhanças, em busca de aventuras.

Já mais grandinho subia a ladeira do Farol, para reunião da UCPM, uma associação de amigos daquele formoso e chique bairro, era a famosa União dos Conquistadores de Piniqueira de Maceió, onde os associados tinham promoção conforme conquistas das pininiqueiras (empregadas domésticas). Cheguei como soldado, nunca passei de tenente. Só 2 associados chegaram a general, hoje um deles é Ministro de um egrégio Tribunal de Justiça em Brasília e outro um político de grande influência no Estado de Alagoas.

Os moradores da Avenida, depois do jantar, colocavam cadeiras nas calçadas para “tomar uma fresca”, conversar. Os temas mais comuns eram: a política e a vida alheia. Às 10 horas em ponto recolhiam as cadeiras, mandavam os meninos entrarem, era hora de dormir, terminava a noite.

A Avenida da Paz ficava deserta, via-se apenas alguns boêmios se dirigindo aos lupanares de Jaraguá em busca de emoções e distração com as raparigas. Programa restrito aos adultos, só para homens. Mas não podiam proibir os sonhos, as fantasias dos meninos.

Foi assim a infância romântica e até ingênua dos anos 50 na cidade de Maceió, na praia da Avenida.

CLUBE FÊNIX ALAGOANA por Carlito

A bela praia da Avenida da Paz foi palco dos maiores eventos, manifestações e carnavais das Alagoas. Nos anos 60 / 70 era a praia mais curtida pela população e a praia mais democrática. Freqüentada por todo tipo de gente de todos os bairros, de todos os locais da cidade. Os barões juntavam-se aos peões no futebol praieiro ou dividindo pedaços da areia. O povo do Vergel do Lago, Ponta Grossa e Trapiche da Barra tomava banho de sol e mar junto à burguesia.

Os ricos só deixaram de freqüentar a praia da Avenida quando o Riacho Salgadinho ficou poluído, desaguando naquela bela praia seus dejetos, sua água apodrecida. Os pobres continuam freqüentando a Avenida, mesmo poluída, pois não têm direito sequer a um lazer sadio.

Clube Fênix Alagoana, cenário de muitas histórias de nossa juventude, é um dos prédios que se destacam na Avenida da Paz. Palco de carnavais, animadas festas, arrebatados amores, e muitos porres homéricos de uma mocidade feliz.

Nos anos 30, Napoleão Goulart, inaugurou a sede da Fênix na Avenida. Minha mãe gostava de contar as festas elegantes que havia, principalmente o aniversário da Fênix e o Reveillon. Lembro, ainda menino, seis ou sete anos, de minha alegria em vestir uma fantasia de pierrô para ir ao baile infantil, com lança-perfume Rodhouro na mão, jogando o jato perfumado nas pessoas e nos olhos dos meninos inimigos. Certa hora se dava verdadeira batalha de lança no ar.

Durante toda minha vida freqüentei a Fênix. Certamente a melhor época; a época ainda gravada no coração e na mente foi o final dos anos 60. Eu havia chegado a Maceió, capitão do Exército, solteiro. Com Guilherme Palmeira, Eduardo Uchoa, Galba Acioly e Marden Bentes, formamos um quinteto para ninguém botar defeito em termos de boemia. Freqüentamos todos os tipos de festas, bailes, biroscas, bares, puteiros e boates de Maceió. Aonde chegávamos a festa estava feita. A Fênix era nosso escritório, local de encontro. Fazíamos parte do clube como os móveis e utensílios. Era o clube mais organizado, mais bem freqüentado das Alagoas, graças a seu presidente, um homem de visão, advogado, nascido nas melhores famílias alagoanos, desportista e amigo dos sócios: Ardel Jucá.

Foi a época de ouro. Muita diversão e esporte. Nos fins de semana era ponto obrigatório. Iniciava na sexta-feira com música ao vivo na beira da piscina. No sábado havia festas com cantores famosos artistas em evidências. Conheci muitos deles – Miltinho, Simonal, Elizeth, Jair Rodrigues, entre outros- tomando uísque com Ardel, Geraldo Patury, Benedito Bentes e Zé Elias. No domingo o imperdível SAMBRASA, conjunto do Paulo Sá, tocava e cantava as mais belas e novas músicas do cancioneiro brasileiro. Nessas domingueiras se juntava o que havia de melhor em papo nas redondezas: Altamir da Costa Barros, Napoleão Moreira, Cyro Acioly, entre outros.

As meninas logo aderiram à revolucionária moda das tangas. Ferviam nossas veias quando tiravam o short para cair na piscina, mostrando seus corpos dourados, bronzeados, sensuais. Coxas bonitas, maravilhosas, apetitosas.

Havia muitas histórias, sem fundamento, que rolavam em Maceió sobre os freqüentadores da Fênix. Isso é natural em todos os clubes fechados que existem no mundo.

Só entrava na sede do clube com a carteirinha de sócio e senha do mês. No carnaval, com festas durante o dia e noite, havia o “maiador”, aquele não sócio que pulava o muro.

Lelé meu irmão, morava fora de Maceió, embora sócio, não tinha carteira, e certo dia quis entrar na Fênix junto com seu amigo Marden Melé. Identificou-se dizendo que era filho do General Mário Lima, coisa e tal, o porteiro deixou entrar, e perguntou para o Melé de quem ele era filho. Melé ficou parado pensando. Até que de repente conseguiu respondeu ligeiro com sua gagueira hilariante: “Sou fi-fi-filho... sou fi-fi-filho... do... do... do pai dele”.

O porteiro deu uma gargalhada. Deixou os dois entrarem.

Certa vez houve um escândalo: um sócio ia para Fênix tarar aquelas maravilhosas meninas tomando banho de sol com seus biquínis cavados. A exposição daqueles corpos era um espetáculo, um incentivo à libido. Em certo momento ele não agüentou, mergulhou na piscina com péssimas intenções.

Foi flagrado por um diretor que estava na sacada do salão nobre com uma visão total sobre a piscina. Percebeu pelos movimentos frenéticos, que o moço estava se masturbando. Não houve jeitinho, meu amigo foi expulso da Fênix.

Esse tipo de acontecimento é fato pontual. Na Fênix os sócios sentiam-se em família. Havia um ambiente respeitoso e fraterno. Era onde se juntava a fina flor, a elite alagoana. Na Fênix se conheceram, se namoraram muitos casais, hoje bondosos, alegres avós.

Os Clubes estão de novo em alta no Brasil devido a problema de segurança. A nova diretoria da Fênix está tentando soerguer o clube centenário. Não é à-toa que o Clube tem esse nome. Na mitologia grega, Fênix, era um enorme pássaro guerreiro que quando morria, renascia de suas próprias cinzas.

terça-feira, 26 de julho de 2011

QUICO por Carlito

Os filhos de Seu Luís Ramalho e Dona Bi são meus amigos desde a nossa alegre e livre infância. Essa amizade vem de nossos pais, nossos avós e bisavós. Nossa amizade vem dos tempos que éramos índios caetés e comemos (por via oral) o Bispo Dom Pero Fernandes Sardinha nas praias de Barra de São Miguel.
O último dos onze filhos deram-lhe o nome de Francisco Prazeres Ramalho de Castro - o Quico, curtidor das coisas boas da vida. Somos amigos-irmãos, parecidos na maneira de ser e de viver.
Desde meninos nos damos bem, tivemos uma bonita juventude. Hoje na maturidade continuamos essa amizade encarando a maravilhosa vida como uma bonita viagem.
Eu tenente do Exército Brasileiro servia no Recife, na Segunda Companhia de Guardas, tropa de elite do IV Exército quando rebentou o golpe militar de 1964.
Apoiei e participei ativamente da “Revolução” com meu pelotão. Nas missões que tive, dias 1º e 2 de abril no centro do Recife, minha preocupação era um enfrentamento com os estudantes de Engenharia. A Faculdade ficava no centro da cidade, na agitação dos estudantes estariam certamente meu irmão Lelé e meu amigo Quico.
No final da tarde de dois de abril, eu vinha recolhendo a tropa cansada para o quartel, quando um sargento me instigou a dar uma carreira, dissolver os estudantes que estavam aglomerados perto da Faculdade de Engenharia. Respondi ao sargento que estávamos atrasados. Passamos com a tropa sem perturbar a pequena agitação. Só no outro dia, tive conhecimento que meu irmão Lelé e Quico estavam entre os “agitadores”. Nesse dia morreram dois estudantes em confronto no centro do Recife.
O golpe militar veio para valer. Nos finais de semana, às vezes, ficava de serviço de oficial de dia. Era freqüente a visita de Quico, estudante de Engenharia de Minas.
Entre os presos políticos havia um amigo de Quico, Rui Frazão. Todo o domingo ele levava um bolo para o Rui. Certa vez, eu era o oficial de dia, Quico chegou com o bolo. Levei-o ao xadrez. Ficamos conversando com o Rui Frazão, Arraes, Paulo Freire, entre outros.
De repente o cabo corneteiro deu um toque alto e sonoro. Reconheci o toque e falei: “É o General! Vou recebê-lo”.
Quando voltei, Quico havia desaparecido. À noite contou-me: quando eu fui receber o general, ele saiu sorrateiramente, cumprimentou a sentinela, saiu de fininho. Teve medo de ficar preso.
Fomos habituais freqüentadores das noitadas recifenses. Saíamos em busca de aventuras. Pastoreamos as noites como se fossem crianças. Festas em clubes, aniversários de 15 anos, boates. Namorar naquele tempo era de portão, pegar na mão, alguns tímidos beijinhos dentro do limite. Com a cumplicidade da namorada sempre ultrapassávamos esse limite.
Como ninguém é de ferro, visitávamos algumas casas chamadas suspeitas. Djanira, alagoana, ex-babá de Marden Bentes montou uma casa de lazer em Boa Viagem. Um luxo, mulheres bonitas provenientes da Europa, França e Bahia, além das bonitas caboclas sertanejas.
Casa freqüentada pela fina flor da sociedade local: usineiros, deputados, comerciantes, padres, e nós, sempre bem recebidos com recomendação especial da proprietária do estabelecimento.
O alagoano fora de sua terra torna-se sentimental, saudoso. Para conservar essa chama de alagoanidade freqüentemente íamos visitar a conterrânea Djanira.
Na galeria do Edifício Walfrido Antunes no Centro do Recife, havia uma pequena boate de nome Flamboyant.
Certa noite, eu, Quico fomos à boate acompanhados de Nezito Mourão, amigo de infância da Praia da Avenida da Paz, companheiro do Colégio Diocesano de Maceió. Mourão dedicou-se à carreira de jogador de futebol, jogou no Santos junto com Pelé e Coutinho no grande time dos anos 61-62-63.
Estávamos os três a bebericar, quando houve um problema. Por ciúmes ou por despeito, o dono do estabelecimento proibiu continuar servindo bebida em nossa mesa. A causa foi à cantora estar sentada em nossa mesa conversando e se divertindo. Ciúme do proprietário da boate.
Sem pretender alguma briga, pagamos a conta e preferimos sair da boate. Mesmo assim o proprietário chamou a Polícia.
Quando estávamos fora da galeria, na calçada, apareceram os policiais correndo, se dirigiram à boate.
Para melhor dispersar, cada um dos amigos tomou uma rua diferente. Eu entrava num táxi na Avenida Conde da Boa Vista, quando três policiais armados me deram ordem de prisão. Mesmo dizendo que a confusão não tinha sido comigo e ter-me identificado como tenente do Exército, eles não consideraram.
Levaram-me preso para a Delegacia na Secretaria de Segurança, à margem do Rio Capibaribe.
Esperei pacientemente mais de duas horas para ser atendido. Quando o Delegado me ouviu, olhou minha carteira de tenente do Exército, saiu por um momento.
Voltou pedindo desculpas pelo mal entendido daqueles policiais ignorantes, que infelizmente a polícia civil ainda era assim constituída, com alguns policiais que não sabiam distinguir o que era realmente um infrator.
Nesse momento entrou na delegacia um pelotão do Exército armado até os dentes trazido por caminhões com a finalidade exclusiva de me tirar da Delegacia a “manus-militaris”.
Nessa hora me tornei um bombeiro, para evitar um quebra-quebra naquela Delegacia, pedi calma. Não queria perder a razão. Eram meus soldados da Companhia de Guardas, que tinham admiração e carinho pelo seu comandante.
Foi Quico que me viu ser preso de longe. Correu para o apartamento onde eu morava com os tenentes Coelho e Fernando Marinho. Eles não admitiram minha prisão, avisaram no quartel e foram no mesmo instante para a Delegacia, quase houve um quebra-quebra. A polícia civil prender um oficial do Exército naquele tempo era uma profanação.
No outro dia deu nos jornais, manchete principal: “Polícia prende tenente do Exército que causa confusão. O Tenente Lima do Exército, o jogador de futebol Mourão e um individuo, causaram alteração em uma boate.....” O indivíduo era o Quico..
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No Recife existe uma enorme colônia de judeus estabelecida há mais de três séculos. Foram os judeus do Recife que séculos passados foram para a América e fundaram uma vila na ilha de Manhatan. Deu-se o início da cidade de Nova York.
Conheci um comerciante de madeiras que tinha duas filhas bonitas, Sara e Raquel. Tornaram-se nossas namoradas. Eu com Sara e Quico com Raquel. Nos fins de semana o pai deixava as meninas saírem, desde que juntas e sob a responsabilidade minha, afinal eu era um tenente do Exército. Ele não imaginava o perigo.
Certa noite levamos as meninas em uma festa num clube na Imbiribeira. Na hora da maquiagem, nossas namoradas foram ao banheiro.
Na mesa, Quico desabafou. Estava para acabar seu namoro. Eu lhe disse que se fosse assim, ia também mudar de namorada, confessei que preferia a Raquel. Foi quando ele falou que preferia a Sara.
Arquitetamos nossos planos. Quando as meninas chegaram, Quico pediu licença e foi dançar com minha namorada. Eu imediatamente peguei a dele. Dançamos mais de uma hora, com muita conversa de ouvido e declarações escondidas. Final da festa sai do Clube com Raquel. Quico com Sara.
Ao chegar na casa das meninas, o pai, o velho judeu ao abrir a porta, olhou admirado. Até hoje permanece a dúvida de quem era namorado de quem.
Alguns fins de semana passávamos em Maceió. O ônibus das seis da noite de sexta-feira saído do Recife ficava lotado de estudantes alagoanos.
Geralmente nós levávamos um isopor tamanho médio cheio de garrafas de cervejas, beber durante a viagem era divertimento. Quando parava em Palmares, reabastecia de bebidas.
Certa vez, já perto de Maceió, o ônibus não tinha banheiro, eu estava com uma vontade louca de fazer um xixi. Já não agüentava mais. Pedi ao motorista para dar uma parada, cheio de dores na bexiga, passava mal.
Quando o ônibus parou, desci apressado e fui para a traseira me aliviar. Nessa condição de espera, de expectativa não consegui me livrar de uma gota, aumentou a situação aflitiva e penosa, todos no ônibus esperando e eu nada. Não quis incomodar e voltei para o ônibus, sem ter me aliviado.
Quando sentei que contei para o Quico. Ele na mesma hora deu a solução: tirou as garrafas de cerveja do isopor e me deu pra fazê-lo de penico. Foi a santa saída.
O maior alívio de minha vida. Peguei o isopor com líquido pela metade e sacudi pela janela. Foi mal calculado, o vento forte, fez o líquido voltar. Os passageiros sentados nos bancos mais atrás receberam algumas pingadas. O mistério ficou. Até hoje ninguém soube como entraram pela janela aqueles pingos finos de um líquido cheirando a amônia.
São muitas as histórias com Quico, algumas mais recentes.Pena o espaço, a censura e a Justiça não deixarem contar.
No final dos anos 60 fui padrinho de seu primeiro casamento em Salvador. Eu que recebi um presente: uma cunhada, uma irmãzinha que tenho guardada no peito, Fátima Lisboa. Vive em terras soteropolitana com a filha, minha querida Adriana.
Hoje Quico é um pacato cidadão, mora nos mares da Ponta Verde, nessa terra dos Prazeres. Tranqüilo sessentão parece afinal que encontrou o amor de sua vida. Amor de verdade, verdadeiro, de vera, de Vera Lúcia.