Final dos anos 60 retornei a Maceió para curtir minhas férias, voltava de Roraima aonde comandei por dois anos a 9ª Companhia de Fronteira, na região da Serra da Raposa do Sol. Muito tempo sem ver o mar, só a imensidão dos rios amazonenses. Ao chegar do aeroporto, em casa, vesti um velho calção de banho, desci à praia, descalço, peito nu, feliz da vida, voltava à terra amada. Em frente ao coreto, sentei-me na praia de extensa areia branca e morna onde aprendi a andar, onde me criei. Sozinho, extasiado, deslumbrado, contemplava o belo verde-azulado, cor exclusiva que Deus inventou num dia de inspiração e colocou nos mares de Maceió. Permaneci sentado, meditando, até o Sol se esconder lá no fim do mundo pra noite chegar, pôr-do-sol belíssimo, espetáculo que a natureza repete todo entardecer na enseada da praia da Avenida da Paz. Dentro de mim uma enorme alegria, concentrado no encantamento, absorto em minha paixão por essa terra onde nasci, olhava ao longe o infinito, o horizonte, beleza divina misteriosa. Não pensava, não falava, só sentia e curtia aquele momento. Foi assim a celebração de meu retorno a Maceió naquele belo e ensolarado verão.
Ainda em férias recebi a notícia, havia sido promovido a capitão e classificado no 15º RI de João Pessoa. Nada contra qualquer cidade de meu belo Nordeste, apenas depois de 13 anos perambulando por esse Brasil, resolvi ficar em Maceió.
Comprei uma passagem, voei ao Rio de Janeiro. Com apenas uma maleta na mão fui ao Ministério da Guerra, dirigi-me ao Departamento Geral de Pessoal, responsável pelas transferências e classificações de oficiais. Atendeu-me um coronel, apresentei-me, contei-lhe a verdade, gostaria de retificar minha classificação do 15º RI de João Pessoa para o 20º BC de Maceió. Dei sorte, o coronel, era um homem gentil e prático. Pediu que eu esperasse; logo depois voltou com a notícia, existe vaga de capitão no 20º BC e que publicaria a retificação de minha classificação no Noticiário do Exército ainda naquela semana. Vibrei, afinal ia servir em minha terra. Tomei um lotação para o Flamengo, direto para o apartamento do Cáo, amigo velho, seu apartamento era uma espécie de embaixada alagoana. Cáo é uma figura extraordinária, leitor compulsivo, sabe tudo sobre as histórias das guerras embora seja um tremendo pacifista. Setentão, organiza todo final de ano uma divertida festa do Palmeira, antigo time de futebol do Farol, comparecem grandes figuras que fizeram a história de Maceió dos anos 50/60.
Voltando ao Rio, para comemorar minha alegria telefonei para duas primas-irmãs, Lourdinha e Bebete. Durante o jantar na casa de Tia Rosita, Lourdinha aventou a possibilidade de um contato com Vladimir Palmeira, naquela época ele liderou a marcha de 100 mil pessoas na Cinelândia contra a ditadura militar, estava na clandestinidade, era um dos homens mais procurados pelo regime. Às 10 da noite encontrei meu querido Vladimir em um discreto bar de Botafogo. Vladimir sugeriu irmos para o Canecão. Tomamos uma mesa estratégica, excelente música. Dançamos, bebemos, comemos. Quem por ali passasse jamais imaginaria que naquele grupo alegre havia o líder estudantil mais procurado, caçado pela ditadura e um capitão do Exército, divertindo-se, celebrando encontro de amigos.
Às seis da manhã, o dia amanhecia, perambulávamos pela praia de Copacabana cantando: “Ai, ai que saudade ai que dó... Viver longe de Maceió...” Encontrei-me outras vezes com Vladimir nesses dias de Rio de Janeiro. Depois ele foi preso e banido. Só fui revê-lo muito tempo depois, em 1979, por conta da anistia, quando voltou da Bélgica.
Passei quase todo mês de janeiro no apartamento do Cáo, sempre hospedados 2 ou 3 alagoanos na “Embaixada”. Ao voltar para Maceió, falei para mim mesmo, aqui é meu lugar, basta de perambular pelo Brasil. Logo depois deixei o Exército, mas fiquei em Maceió. Na época jamais passou por minha cabeça que um dia seria um cronista da cidade, contador de histórias de minha terra, que estrearia escritor aos 61 anos. Agora, aos 69 anos, em Brasília, lanço meu 11º livro na próxima quarta-feira, dia 13 de maio, CARINHO SÓ DE MULÉ... CAPITÁ SÓ MACEIÓ. Todos os leitores estão convidados, avisem aos parentes e amigos que moram em Brasília. Estarei recebendo, autografando, a partir das 18 horas no Mercado Municipal de Brasília, W 3 – Sul –quadra 509, onde haverá uma noitada divertida, bom uísque e papos maravilhosos. Em Maceió o lançamento será dia 29 no Bar do Chope.
Sexta-feira passada, dia 24, fomos a uma feijoada na Fenix, um convescote de político, oferecido pelo nosso amigo Guilherme Palmeira ao não menos amigo Roberto Mendes, em desagravo a dispensa de Roberto da secretaria de Esporte do Governo do Estado. Gente pro cacete. Lotou o pátio onde era a quadra de esporte descoberta do clube. Fazia tempo que eu não pisava ali. De lado, a piscina, onde hoje existem raias para a prática de natação. Foi minha primeira recordação.
Estudava Engenharia em Recife nos meados dos anos 60, e esporadicamente, quando a saudade apertava, vinha a Maceió em finais de semana. Claro que seco prá chegar na praia da avenida, me encontrar com a turma. Lá prá tardinha, a gente como sócio, ia prá o clube Fenix tomar umazinhas, e neste horário encontrava a piscina fechada. Então eu pulava o alambrado e tibum... Aí em sucessivas vindas a Maceió, e sucessivos tibuns, peguei advertência, suspensão e finalmente expulsão. Foi o ocaso da Fenix na minha vida. Foi apenas o final do tempo feliz que passamos naquele clube.
Mais recordações vieram nesse convescote, principalmente quando encontrava os maloqueiros da época. Estavam lá vários avenidenses, como Mardem, Tinho, Carlito, Guilherme e Quico, e outros afins, que viviam na praia da Avenida, como o pessoal do Palmeiras: Cáo, Toinho bode, Fernando Soares, Walter Guimarães, Jair, e ainda Uchoínha, Sergio Nobre, Mauricio Breda, Chumbinho, Claílton, Marcello Barros, Vadinho, Esdras, Fernando Ganso, Roberto Arainha, Murilo Marinho, Batinga, Bionor, Ciridião, Flavio Gomes Barros com seu pai Maru, que quando o provoquei dizendo que ele só jogava na banheira no futebol dos Perrelli, em frente ao hotel Atlântico, me contou a seguinte história: na pelada dos Perrelli, deu uma porrada sem querer em Abrahão Moura, brabo que só a gota, e ele subiu prá avenida, chamou um cara e disse “vá pegar minha pistola que vou dar um tiro naquele filho de uma égua”, apontando o Maru. O cara falou “meu patrão, aquele é neto de seu Laurentino Gomes de Barros”, um dos coronéis mais valente das Alagoas. Aí Abrahão recuou: “em vez da arma traga duas cervejas”, e convidou Maru prá tomar umazinha. Eram assim resolvidas as paradas na época. A entrada no clube era uma história a parte. O porteiro Raimundo, tal qual nossa honrada justiça, era muito maleável. Dependia do seu humor e do protagonista prá o cara entrar na Fenix. Uma vez Mourinha, nosso vizinho na Silvério Jorge, foi entrando dizendo que era filho do Cabeção, o homem do jogo do bicho, nadava na grana; seu Raimundo retrucou “pode ir dando meia volta que o Cabeção não é sócio daqui, não”. Outra vez, cheguei prá Mardem Melé e disse prá ele falar que era meu irmão. Eu entrei no clube, e logo atrás veio Melé. Raimundo perguntou “e você é filho de quem?”. Melé gaguejou: “ sô- sô- sô fi-fi-filho do me-mesmo pai dele”, apontando prá mim. O porteiro tava de bom humor, deu uma gargalhada e deixou Melé passar. Dizem, que certa noite, Fernando Collor chegou com três mulheres para entrar num baile da Fenix. Seu Raimundo chamou o Fernando de lado e comentou “ Prefeito, essas mulheres são suspeitas”, e recebeu a seguinte resposta “ suspeitas são as que estão aí dentro, essas são putas mesmo...” , e entraram todos, claro.
A vida esportiva de nossa adolescência, além das nossas peladas na praia, era vivida no clube Fenix. Ali era onde tinham as quadras de vôlei e basquete, e depois a de futebol de salão, inaugurada exatamente pelos meninos da avenida, no jogo Atlântico e Tênis, preliminar do jogo principal, Santa Cruz e Fenix. O infantil do Tênis era favorito, mas ganhamos o jogo por 3 X 2, com atuações magníficas de Cuca no gol, do gordinho Luciano na defesa, e do saudoso Hélio Miranda como técnico. Fiz o gol da vitória, fui carregado pelos colegas e meu pai caiu da arquibancada no entusiasmo. Foi a minha glória esportiva.
Além de futebol de salão, jogávamos vôlei e basquete, e praticávamos natação. Íamos assistir as feras da época no ginásio da Fenix: as sestas de Carlos Paes, Batinga, Lica Doido e Arroxelas; as porradas de Ascânio Urubu, Walter Pé-de-tábua, Fernando Ganso e Ivaldo Gatto no vôlei. Bianor era reserva do time de vôlei da Fenix. Quando o time estava perdendo a canalha gritava da arquibancada: “bota Bianor, bota Bianor”, quando ele entrava na quadra a gente já ia gritando: “tira Bianor, tira Bianor”. Certa vez ele perdeu a esportiva e saiu correndo atrás da gente, mas nossas canelas eram mais rápidas. O nosso amigo avenidense Adilson, o Cuíca, num jogo de futebol de salão, começou a berrar “queremos pau, queremos pau”. A galera deu a maior vaia. Ele olhou pra um lado, só tinha neguinho marrento, olhou pró outro, enxergou um baixinho esquelético, falou prá cima dele “quequié, nunca viu homem não?”. Aí foi que a vaia dobrou. A arquibancada da quadra da Fenix era um divertimento a parte.
Mas o melhor do clube Fenix eram suas festas. Eram contratadas orquestras espetaculares e famosos artistas nacionais. Lembro que uma vez Agostinho do Santos veio cantar na Fenix e se hospedou na casa de seu Dalmo Peixoto na Avenida. Era gente muito boa, bateu zorra com a gente na praia, calçando um tênis, era estranho aquilo na época. Outro que veio também foi Caubi. Um dos nossos amigos avenidenses disse que no banheiro do clube o cantor fez a festa em meio dúzia de moleques, incluindo ele.
O réveillon era imperdível. Depois de romper o ano em casa, a elite maceioense, ia comemorar na Fenix. Mas a grande festa mesmo era o carnaval. Não podíamos imaginar carnaval sem as festas da Fenix. Começava já em janeiro com o baile de Máscara, com premiação de fantasia, folião, etc. e os prêmios eram lanças perfumes, depois vinham os bailes pré-carnavalescos Preto e Branco, Noite do Havaí,... e nos dias propriamente de carnaval as Matinais e soirés, sempre com Claudionor Germano comandando a festa: “ ... não pense que estou triste nem que vou chorar, eu vou cair no frevo que é de amargar”. Foram nessas festas, ao som de Capiba, que nossa geração deu seu primeiro beijo, teve seu primeiro alumbramento sexual, tomou seu primeiro porre de dor de corno.
Todo mundo andava com sua lança Rodouro na festa. Tínhamos o nosso cantinho perto da piscina prá tomar porre. Numa matinal da Fenix, estávamos eu e Emilio no cantinho, com o lenço encharcado de lança no nariz. Quando a gente começava a ouvir apenas o bumbo da orquestra, Tum – Tum – Tum, como som de maracatús desgarrados, era sinal da hora de parar de cheirar. Saindo do porre, vejo Emilhão ainda com o lenço naquele nariz grande que Deus lhe deu, desmaiado. Me apavorei. Depois de alguns gritos “Emilhão”, chegou um amigo que não me lembro quem, prá me ajudar, e logo em seguida, Emílio volta do porre. Susto do cacete. Fazia parte de nosso carnaval. Voltamos pro salão, mas Claudionor já estava cantando “... Oh, quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só prá contrariar.” E a quarta-feira de cinzas do carnaval de Maceió veio com o término dos bailes da Fenix. Foi um clube que passou na vida dos avenidenses.
Maceió, como toda cidade nordestina, tem saborosos sorvetes como tradição e cultura gastronômica e animadas sorveterias como ponto de encontro, consequência do calor e de nossas frutas deliciosamente adocicadas que se prestam aos sucos e sorvetes.
Tenho ainda na lembrança o dia que meu pai comprou a primeira geladeira, Frigidaire, maior sucesso. Minha mãe, no almoço, fazia saborosos refrescos de mangaba, manga, abacaxi; o suco que sobrava do almoço nós colocávamos no congelador, era uma farra quando virava sorvete.
Na Praia da Avenida da Paz um sorveteiro, Seu Primitivo, rodava seu carrinho pela manhã entre os banhistas. Havia sempre duas qualidades de sorvete, coco e cajá, coco e goiaba, coco e mangaba; o de coco era invariável. Ele vendia fiado e cobrava em nossas casas pela tarde.
Nos anos 60/70 duas sorveterias fizeram a delícia da moçada no Centro da cidade: a DK-1 e a GUT-GUT, pontos de conversa, de relaxamento, de desfile das belas jovens cheias de hormônios que esfriavam o calor externo e o interno lambendo deliciosos sorvetes. Quantos namoros, quantas paqueras se deram naquelas tardes mornas nas sorveterias dos anos
dourados!
Essas histórias de sorvetes eram assuntos da conversa domingo passado na Bali, orla da Pajuçara. A sorveteria tornou-se ponto de encontro, local agradável, mesas de metal limpíssimas, todo tipo possível de sorvete. São mais de 70 qualidades, além dos diets. O sorvete de pinha é meu predileto, depois sapoti, mangaba... Maceió está bem de sorvete, além da Bali, Alberto Cabus revolucionou a indústria de gelados. A fábrica de sorvete Fika-Frio compete com a Nestlé e a Kibon; entre outras delícias, produz o picolé de tapioca, o melhor picolé do Brasil, excelência em matéria de sorvete.
Imperdível na Sorveteria Bali é a roda de papo, a prosa acarinhada pela brisa marítima. Geralmente vou com o amigo Majella de três a quatro vezes por semana. Nos sentamos por volta das cinco da tarde, o papo prolonga-se até 9 ou 10 da noite; outros amigos agregam-se na roda. Na Bali se vê de tudo: gente famosa como o Galvão Bueno, a Daniela Cicarelli, e muita mulher bonita. Turistas saem da praia com suas cangas charmosas para saborear um sorvetinho em ambiente descontraído. É bom apreciar, ver mulher bonita, faz bem aos olhos. Autoridades não faltam na Bali. São constantes frequentadores o deputado Augusto Farias, o ex-governador Ronaldo Lessa aparece para esfriar a cabeça e um papo. Domingo passado, Téo Vilela tomava sorvete com sua bela filha, sozinho, sem algum segurança, sentou-se numa mesa na calçada; o governador cumprimentava os
conhecidos.
Em nossa mesa, rola todo tipo de conversa, principalmente falar mal do governo, seja qual for; o papo vai de filme, música, à mulher bonita, prosa variada e inteligente, divertida. Não se nota o tempo passar, nem que estamos ocupando mesa, clientes ficam à espera, e nós nem aí. Além do gostoso sorvete, existe a gentileza de Carlos e Lia, os proprietários. O casal veio a Maceió a passeio, ficaram, montaram a Bali há 19 anos, aqui permaneceram, são alagoanos por opção e fazem parte da
cidade.
Em 2008, a revista Veja elegeu os melhores da cidade e fui jurado na escolha dos bares. A Bali ganhou por unanimidade como a melhor sorveteria. É mais que isso. É ponto de cultura gastronômica e de encontro de intelectuais, políticos, aposentados e outros desocupados; faz parte de nossa cidade.
Não posso deixar de registrar um acontecimento com José Santos, vendedor de DVDs piratas, que ronda as casas noturnas da cidade. Domingo passado, na Bali, escolhi alguns filmes para a Semana Santa. 8 filmes, R$ 26,00, barato que nem banana em fim de feira. Dei-lhe uma nota de R$ 20,00 e mais três notas de R$ 2,00. Meia hora depois José Santos retorna reclamando que lhe dei dinheiro errado. Me devolveu uma nota de R$ 100,00; eu havia confundido com uma nota de R$ 2,00 (mesma
cor).
Fiquei comovido com a simplicidade honesta do José dos Santos. Lembre-se desse nome, ele é o maior dos brasileiros, é povo que é bom e correto. Esse singelo e significativo fato trouxe-me alegria, esperança e a certeza de que nem tudo está perdido, existem muitos José Santos, o mais brasileiro de todos os brasileiros.
Ao redor do ano de 1950, pouco mais, ou pouco menos, éramos crianças livres e felizes da Avenida da Paz.
Residindo na casa de número 1200, Petrúcio, eu e Quico, pela ordem decrescente, éramos o nono, décimo e décimo primeiro, filhos de Luiz Ramalho de Castro, natural de Coruripe, eBenedita Prazeres de Castro, natural de União dos Palmares, quando solteira, Benedita Sarmento Prazeres.
Disse crianças porque eu tinha naquela época nove anos de idade, Petrúcio um a mais, e Quico, o caçula, um a menos. Juntos com alguns amigos, não me recordo se Jardim, Braga, Perrelli, Lima, Nonô, Bentes, entre outros.
Confeccionamos um Judas para sacrificá-lo no sábado de aleluia, costume da época, que na realidade nunca existiu sábado de aleluia e sim sábado santo, somente para esclarecimento, porque outro é o enfoque que darei neste escrito.
A nossa casa, como já relatei anteriormente, ia da Avenida da Paz,a rua Silvério Jorge, nessa rua ficava a garagem, que tinha uma porta de madeira, dividida em quatro partes, todas fixas com ferrolhos em cima e em baixo de cada parte, no centro uma fechadura bastante forte, e duas traves de madeira, reforçavam a segurança, indo um lado ao outro da porta.
Quando nosso Judas ficou pronto, o amarramos em uma das traves, e a trave amarramos no poste de iluminação que ficava logo atrás de nossa casa, na rua Silvério Jorge.
Ficamos aguardando a hora do sacrifício, que se não me falha a memória, se dava as onze horas. Nisso passam alguns operários da Fábrica de Cama Progresso, que ficava um pouco adiante, arrancaram o Judas e levaram com a trave e tudo.
Ficamos bastante aflitos, não só pelo Judas, como pela trave, segurança da porta da garagem, foi quando lembramos que nosso irmão Amaury ainda estava em casa.
Amaury é o quarto de cima para baixo, e junto com Petrúcio, foram os que puxaram nosso Pai, na estatura, os demais, estatura baixa, herança de nossa querida Mãe.
Entramos em casa correndo e aos gritos, Amaury, Amaury, os operários da fábrica roubaram o nosso Judas.
Ele que estava no banheiro, já iniciando o banho, ouvindo a nossa aflição, vestiu a calça do pijama, que naquela época era comprida, e saiu amarrando o cordão do pijama, até quando chegou à rua, seguindo em direção à fábrica, nu da cintura para cima, mostrando o porte atlético, e nós em fila indiana, atrás.
Chegando próximo à fábrica, avistamos o Judas amarrado ao poste, no lado oposto à fábrica, e os operários sentados na calcada em frente à fábrica, Amaury desamarrou o Judas colocou nas costas, sob os olhares dos operários, que nada disseram, e voltou em direção a nossa casa.
Nesta hora não conseguimos conter nossa alegria e admiração pelo feito, explodimos no maior grito, ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!, olhando para os operários.
Amarramos o Judas no mesmo poste, até a hora que o sacrificamos, sem mais sermos importunados pelos operários.
Esse e muitos outros fatos ocorreram em nossa infância, juventude e mocidade em nossa Avenida da Paz.
Depois que o prefeito Amphilóphio Mello, mais conhecido como poeta Jayme de Altavilla construiu o coreto na Avenida da Paz em 1926, a burguesia de Maceió foi se mudando aos poucos para a praia da Avenida no embalo do modismo do banho salgado, como era chamado o banho de mar. Nos anos 40/50 a Avenida da Paz passou a ser a moradia chique da cidade. Ronaldo Cardoso, ex-vizinho, deu-me um presente: relação dos moradores da praia da Avenida da Paz e adjacência nos anos 40/50/60. Examinando com carinho essa preciosidade lembrei-me daquelas famílias que povoaram minha juventude e povoam minhas lembranças. A moçada depois da praia, do futebol e do almoço, estirava o corpo à sombra na calçada da travessa que liga a Avenida da Paz à Rua Silvério Jorge (hoje Travessa Emílio Cardoso). Entre 2:00 e 2:30 h. da tarde passava Seu Primitivo com o carrinho de sorvete, sempre duas qualidades: coco e goiaba, coco e mangaba. A turma se deliciava enquanto comentava as brincadeiras, jogos, falando alto, de maneira anárquica, como são os jovens. Na casa de esquina da Avenida, onde hoje funciona o restaurante Carne do Sol do Picuí, morava Seu Pádua, cabelos embranquecidos pelo tempo, rosto oval, vermelho, vestido em roupas grossas e rotas, camiseta branca, sempre de tamancos. Ele vivia de rendas e juros, era usurário. Grotesco e ingênuo, tinha apego satânico ao dinheiro. Emprestava aos bacanas da época. Seu Pádua detestava e emburrava com nossa algazarra embaixo de suas janelas. Muitas vezes reclamava com palavrões. Éramos dez ou doze meninos. Na hora do reclamo exaltado, a moçada respondia com um sopro barulhento saído entre os lábios protegidos pela mão, o popular porrote. Ele ficava brabo xingava e se retirava da janela. Certa tarde apareceu um homem alto, louro, vestido num terno branco de linho irlandês, sotaque carioca, com um grande embrulho no braço. Bateu na casa de Seu Pádua pedindo uma conversa confidencial. Seu Pádua curioso com a visita inusitada mandou o homem entrar e levou-o para uma sala. O cidadão não perdeu tempo em explicar: Vinha da capital do país, o Rio de Janeiro, com credencial do Ministério da Fazenda para mostrar a novidade a algumas pessoas escolhidas em Alagoas. Já estivera como o governador e outras autoridades que indicaram o nome de Seu Pádua. Educadamente pediu licença e desembrulhou uma caixa de madeira. A caixa tinha um furo horizontal na frente, outro atrás. De lado uma manivela e em cima uma espécie de funil. Depois de alguma conversa o carioca mostrou para que servia aquela geringonça. Tirou um caderno “Avante” da bolsa, rasgou uma página em branco, introduziu-a na abertura horizontal traseira, rodou a manivela. A folha de papel foi desaparecendo dentro da caixa. Depois de mais algumas maniveladas foi aparecendo, saindo da abertura da frente um pequeno pedaço de papel com uma coloração forte em azul e verde. Com outras maniveladas deu para distinguir surgindo da fenda uma nota novinha de CR$ 10,00 (dez cruzeiros). Ela caiu como uma folha seca na mesa. Seu Pádua ficou maravilhado olhando para Palocci, o vendedor, que calado, alimentou novamente o buraco traseiro com nova folha de papel de caderno, colocou azeite no funil, advertiu que a máquina tinha que estar sempre azeitada, rodou a manivela, caiu mais outra nota de Cr$ 10,00. Depois de repetir sete vezes a operação, com Cr$ 90,00 na mão, iniciou a venda altamente secreta do equipamento com Seu Pádua. O preço da máquina de fazer dinheiro era apenas oito contos (Cr$ 8.000,00). Em 10 prestações de Cr$ 800,00. Como garantia, Seu Pádua, tinha que assinar as promissórias e pagar, em dinheiro vivo, as duas últimas parcelas no valor de 1,6 contos. Acertaram tudo, sem contestação. O avarento só pensava no ganho fácil. Palocci recebeu os Cr$ 1.600,00, apertou a mão do velho canguinha, disse que ele tinha feito um excelente negócio, exigiu segredo e tomou a rua. Seu Pádua imediatamente voltou. Estava eufórico, empolgado, sozinho, ansioso. Levou o equipamento para seu quarto e iniciou a operação com a máquina fantástica de fabricar dinheiro. Entrava o papel branco de caderno, saía cr$ 10,00 (dez cruzeiros). Encantado, feliz, repetiu por 11 vezes a operação. Na 12ª virada ouviu-se um “creque”, a maquina enganchou. Tentou várias vezes, repetiu a operação como Palocci ensinou; não saiu mais dinheiro. Com mais de uma hora de tentativa, Seu Pádua estava desesperado. Lembrou-se do azeite, deu um grito para empregada: “Chiquinha traz o azeite!!!”. A empregada custou a aparecer. Seu Pádua gritou novamente tão alto que a moçada ouviu na esquina: “Chiquinha traz o azeite!!!!” Finalmente a empregada levou a lata de azeite. Ele recebeu com a mão por fora da porta semicerrada. Reiniciou a operação, derramou o óleo no funil, rodou a manivela e nada do dinheiro aparecer. Passou o resto da noite na tentativa, sem querer acreditar que havia caído no conto do vigário. Quando desconfiou da trapaça, Maldisse e xingou o vigarista do Palocci. Só conseguiu dormir altas horas da noite. No outro dia, quando teve certeza do embuste, foi conversar com meu pai, contou a história com detalhes. Eu ainda ouvi quando papai falou que se ele fosse na delegacia, podia também ser preso. À tarde toda molecada já sabia da trapalhada. Emílio Cardoso e Lelé, seus inimigos nº 1, não perdoaram, passaram por muito tempo gritando na esquina: “Chiquinha traz o azeite, Chiquinha...” e ouvindo Seu Pádua xingar com seu palavrão predileto: “Vá se fuder, seu filho de uma puta...”
Nego Lelé, vou tentar, pois acho muita responsabilidade, descrever a pessoa mais bela que conheci nesses sessenta e três anos de minha rica existência. O PROFESSOR BÉU, MEU PAI.
O PROFESSOR ALBÉRICO DE CARVALHO LIMA tem origem de uma família de classe média do município do Pilar, filho do comerciante Américo de Araújo Lima e Amélia de Carvalho Lima, domestica, filha do Industrial português José Alves de Carvalho e Rosa Bastos de Carvalho, pernambucana. Teve oito irmãos, Maria Alice, Virginia, Áurea, Mario, José, Pedro, Nilo e Branca, todos nascidos na cidade de Maceió, mais precisamente na Avenida da Paz 1.096.
Realizou seu estudos no Colégio Liceu Alagoano, tornou-se guarda livros, perito contador e posteriormente contador; foi fundador da Faculdade de Ciências Contábeis de Alagoas e emérito professor até sua aposentadoria compulsória aos 74 anos. Também lecionou na Perseverança, na Rua do Sol, onde tinha cursado perícia contábil, sendo seu primeiro professor de Contabilidade Geral. Como contador foi responsável pela contabilidade do Sindicato e da Cooperativa dos Usineiros do Estado de Alagoas até sua aposentadoria, foi diretor do SESI e do SENAI e principal perito da Justiça Alagoana.No setor público assumiu a direção Departamento de Estradas de Rodagem – DER, no governo de Arnon de Mello.
Nasceu na Avenida da Paz em 31 de março de 1.909, casou-se com Santina Nonô de Carvalho Lima em dezembro de 1.937, tendo os filhos Albertina e Alberto, foi o último dos irmãos a falecer, na Santa Casa de Misericórdia em 22 de setembro de 1.995 aos 86 anos.
Não foi o histórico biológico que impressionou e legou a seus herdeiros, mas a dignidade, honestidade doentia e bondade imensurável desse grande homem.
Além desses predicados, meu pai era por demais divertido, sincero e um grande amigo. Lembro-me dos passeios que fazíamos ao sítio de Coqueiro Seco, aonde íamos de lancha juntamente com os primos e tios, papai sempre puxava a cantoria com o refrão “faca de ponta ta ta ta “, sempre gostou de tomar umas e outras, para desespero de D. Santina, e alegria dos demais, sempre risonho, piadista e bom de papo.
Nunca foi perseguidor do poder ou da riqueza, tendo nos ensinado que a importância do ser humano era estar em paz com sua consciência; sempre possuiu o bastante para educar seus filhos, manter um nível de vida honrado sempre perseguindo seus ideais.
Realizou inúmeras viagens tanto no Brasil como no exterior, mas seu xodó era sua coleção de discos , na época de vinil, chegando ao número de 65.000 discos, todos devidamente cadastrados manualmente e alocados em álbuns; infelizmente quando mudou-se da Av. da Paz para Ponta Verde, numa desastrada mudança, realizada em um caminhão aberto, houve uma forte chuva que inutilizou grande parte dos álbuns, daí seu desinteresse, e passou a fazer doações e empréstimos não devolvidos.
Após sua morte, havia não mais de 25.000 discos, foi uma perda significativa.
Embora fosse muito levado, e levasse uma pisa diariamente de D. Santina, somente uma vez apanhei de papai. Isso ocorreu quando tinha uns nove anos, voltando da praia, vi papai cochilando na rede com sua enorme mão do lado de fora e, inusitadamente dei uma mordida, levando-o a acordar feroz e dar-me uma palmada; jamais levantou a mão ou a voz contra Albertina.
Quando queria dar uma de suas broncas e conselhos, nos chamava para seu gabinete e em voz pausada e firme expunha a situação e sempre terminava com um conselho sábio e amigo.
Adorava uma farra desde a juventude, quando comecei a acompanhá-lo nos banhos no Catolé, sua turma eram os professores Manso, Manoel Ferreira, Petronio, Arnon Chagas o industrial Napoleão Barbosa, seu irmão Carlos, Dr. Osvaldo Braga, Dr. Ordenêr Cerqueira, Dr. Sizenando Nabuco, Dr. Sigismundo Cerqueira dentre outros.
Na Avenida da Paz, no afamado bate papo noturno seus amigos e visinhos eram Luiz Jardim, Jorge Barros, Luiz Ramalho, Dr. Homero Galvão, Ariosvaldo Cintra, Emilio Cardoso, Bené Bentes, Ulisses Braga, Heráclito Silva, Murilo Silva, Flavio Luz, Sr. Morgado, tio Mario Lima, Paulo Tenório e Dr. Segismundo Wanderley, dos que me vem na lembrança.
Pois toda noite, ( não existia TV ) após a janta, as mulheres sentavam-se na porta para prosear e admirar os raros carros que circulavam , os homens iam para o outro lado do calçamento, nos bancos onde trocavam os últimos acontecimentos da cidade e nós moleques, brincávamos de garrafão, rouba bandeira ou de cowboi no coreto. Aos poucos iam se dispersando e sempre às 22 horas, todos voltavam a seus lares.
Por causa dessa convivência salutar, pois nunca presenciei algum atrito grave entre nossos pais, que tínhamos um imenso respeito e admiração por todos os mais velhos, sem qualquer discriminação.
Lembro-me que certo dia, papai informou que havia recebido uma proposta para representar tintas em Maceió, por um grupo do Sul e lembrou-se do Sr. Luiz Jardim a quem entregou a representação, nascendo assim as Casas Jardim, isso foi realizado apenas pela amizade.
Existia também o afamado jogo de buraco na casa de Tio Mario, onde aos sábados , domingos e feriados juntavam-se Sr. Morgado, Tio Mario, Jorge Barros, papai e algumas vezes Dr. Segismundo e posteriormente o careca Sr. Virgílio.
Após a morte de Tio Mario, para dar continuidade ao jogo, comecei a reunir em minha casa Papai, Tio Otavio, Siginho(Tido)e de reserva Tio Aloysio, com a morte do Otavio, Tio Aloysio ficou na titularidade; depois, com a doença de papai, transferimos o jogo para seu apartamento até seu falecimento.
Esse jogo persiste por mais de 45 anos, toda terça feira à noite nos reunimos, atualmente no lobby domeu apartamento.
Voltando no tempo, ao separar-se de mamãe, com 53 anos, papai foi morar com minha avó e minhas tias Maria Alice e Virginia mas sempre manteve comigo e Bebé uma aproximação constante e responsável, jamais teve uma amante; contudo adorava as idas às Boates da época, principalmente a Areia Branca do seu velho amigo Mossoró, onde tinha mesa cativa.
Seus companheiros mais assíduos nessas noitadas, as suas expensas, eram o cego Plínio, Arnon Chagas e o careca Virgilio, papai fazia questão de buscar e levar os amigos, em seu Volkswagen, tendo como motoristas Tenente Jorge e depois o José Capuchinho, vez que nunca se interessou em aprender a dirigir, de início seu carro sempre estava a meu dispor.
Também gostava de sair com seus amados alunos universitários que o privilegiavam com a indicação para patrono ou paraninfo de suas turmas; até hoje, foi o professor mais homenageado desde a fundação da Universidade Federal de Alagoas.
Tanto as famílias de meus pais, como eles, eram totalmente dispares em todos os aspectos.
Minha família Carvalho Lima era extremamente unida, afável, compartilhavam seus problemas entre si, ajudavam-se dentro do possível, enfim dialogavam, jamais pactuaram com qualquer tipo de violência ou discursão e papai enquadrava-se perfeitamente a esse perfil.; já a família Nonô pavio curto, sangue quente, encrenqueira, valente, autoritária, cada um por si, não aceita qualquer tipo de provocação, mais leais,decentes e transparentes; e mamãe também adequava-se nesses princípios.
Quando começaram a namorar, ele de classe media, filho de um comerciante, ela classe alta, filha preferida de um grande fazendeiro da época, o vovô Nonô, temido e respeitado em todo o estado de Alagoas, irmãos e primos todos fazendeiros conhecidos.
Foi um amor avassalador, trocavam correspondência diariamente através da sopa (ônibus ), tendo motorista como articulador, levava a carta papai e trazia a de mamãe, às dele com uma fita azul e as dela com fita rosa, consegui localizar algumas de papai, eram belíssimas.Meu avô que fazia tudo o que sua predileta filha desejava, aceitou o namoro, apoiou o noivado e ajudou no casamento e, quando vinha a capital ficava hospedado em nossa casa, até adquirir uma na Rua Nova.
Era um casal sui generis, um era a antítese do outro; em tempos atuais, acredito piamente que não conviveria por mais de três meses, viveram juntos por mais de vinte e cinco anos e tenho plena convicção que continuariam até sua morte, pois a separação ocorreu por imposição de Pedro Lima e Derzuíla que detestavam mamãe por sua independência e enfrentamento, sendo a única pessoa da família que não bajulava o irmão rico de papai, o que Pedro não admitia, e, aproveitando a fragilidade momentânea de papai, incontinente levou-o para sua casa em Recife, alardeando apoio moral.
Dias depois, entrou em contato com Bebé e comigo, afirmando que não desejaria a separação, viria a Maceió com as condições de papai para voltar para casa, fomos busca-lo no aeroporto e, comunicamos que mamãe estava de cama, contudo aceitou recebe-lo, desde que não fosse proposta a separação, mais uma vez confirmado por Pedro. Todavia, em 11 de julho de 1962 no sóton de nossa casa, junto ao leito de mamãe informou que papai queria se divorciar e que era o melhor para todos. Estupefato com a canalhice de meu tio, esmurrei-o, tendo o mesmo rolado da escada, pisoteei-o e fui ao gabinete de papai pegar um velho revolver HO, municiei a arma e voltei para atirar em Pedro; contudo, Tio Mario e Fernando que tinham chegado conseguiram desarmar-me, aos prantos, sai de casa e fui para o Mataraca ; tinha à época dezesseis anos.
Pedro conseguiu o que desejava, internou papai numa clinica em Recife e somente voltou a Maceió meses depois já para morar na casa de Vovó Melinha. Mamãe jamais aceitou a separação e papai morreu casado. Muitos anos depois, inclusive já casado, soube por meu pai que de fato ele tinha feito uma carta concordando em voltar sob condições, contudo o Pedro , seu portador ao voltar a Recife com um olho rôxo, informou-lhe que tinha sido mal recebido e não teve condições de tentar uma reconciliação. A meu pedido, ele deu-me a mencionada missiva que guardo até hoje.
Papai era tão querido, que todos os irmãos de mamãe, com exceção de Tia Celeste, o apoiaram integralmente quanto a separação que ele mesmo não desejou, mais foi muito fraco e manipulado pelo irmão.
Dona Santina foi uma pessoa de vital importância na vida de papai, sempre o apoiou, tendo, por ocasião de uma doença que o acometeu, assumido toda a contabilidade sob sua custódia, ficando dias e noites a fio escriturando os livros contábeis e, como tinha uma letra bela e idêntica, não dava para perceber qualquer diferença. Também eram muito unidos, embora completamente diferentes; papai era de dialogo, mamãe de ação, valente,corajosa, agressiva, independente ; mais sempre o respeitou e amou muito.
Pela postura dos dois, dava a impressão de que papai era manobrado por D. Santina, mais só impressão, pois isto jamais aconteceu, mamãe reclamava, esbravejava mais sempre ele fez o que queria; como exemplo sito suas bebedeiras, odiadas por mamãe,que nunca bebeu, mas sempre realizadas. Os dois toda semana iam ao Cine Plaza, no Poço, papai vestia-se de terno, mas calçava sempre umasandália, mamãe não se conformava, saia reclamando e voltava reclamando, porém jamais ele deixou de usa-la. O desentendimento com Tio Pedro e Derzuíla, teve origem na ida de Bebé para estudar no Recife. Papai achou que Albertina deveria ficar nas folgas do colégio na casa de Pedro, mamãe accedeu e depois de preparar todo o enxoval; Pedro e Derzuíla vieram a Maceió e comunicaram a meus pais que seria complicado a estada de Albertina na sua casa, face a responsabilidade que teriam com ela que na época já namorava o Fernando e não estavam acostumados com a situação e tentaram impor que ela deveria continuar em Maceió. Mamãe ficou uma fera, não concordou e papai a apoiou em mandar Albertina ficar na casa de Hercílo e Geruza Alto, primos de mamãe, que adoraram a idéia. Meus tios que já não gostavam de mamãe pela atitude altiva e independente que sempre externou, pois Pedro que era muito rico adorava a bajulação que recebia da família Lima toda vez que vinha, sendo D. Santina a única que não dava tal importância.Conseguiu vingar-se de mamãe ao separa-los.
Mais meus pais foram protagonistas de um grande amor, tanto ele e principalmente ela, sempre se respeitaram e, após a morte de papai, em seus pertences Albertina encontrou varias fotos e cartas de mamãe.
No campo cultural, sempre foi muito atuante, escrevendo artigos e livros sempre sobre Contabilidade onde foi um verdadeiro expert.
Como atleta, tive conhecimento de que atuava como atacante, mais o que me empolgava além deseu forte chute era a natação que praticou até seus setenta anos, quando íamos passar férias na lagoa do Pau em Coruripe.
Adorava assistir e ouvir partidas de futebol, era regatiano e tricolor doente; inicialmente na Pajuçara e no Mutange ficávamos no alambrado, pois tinha um tique de chutar, e posteriormente no Trapichão onde tinha cadeira cativa e a da sua frente ninguém sentava pois respeitavam seus chutes nervosos.
Viajou com D. Santina e Bebé para assistir a Copa de 50, estando presente no Maracanã junto com Áurea, Dirce, Nicia e Nilo na inesquecível derrota para o Uruguai. Ficou arrasado,segundo minha irmã.
Sempre me levava para assistir os jogos de CRB e CSA, como também fazia questão me apoiar nos jogos que participava tanto no colégio e posteriormente no tempo de faculdade.
Possuía um dom raro em fazer várias coisas ao mesmo tempo; ao chegar a casa ia ao seu gabinete, onde era normal vê-lo batendo em sua velha Remington, sem olhar para a máquina e ouvindo o jogo no radio portátil; ao perguntar-lhe quanto estava, ele dizia o placar e detalhava os gols sem desviar o olhar do texto que datilografava com impressionante rapidez.
Nunca foi de muito afago e carinho para conosco, porém sempre nos apoiou em quase todos os momentos,ensinando a ser éticos, honestos e justos.
Não demonstrava explicitamente, mas tinha adoração aos seus afilhados Ailton, filho do Julio que foi criado lá em casa só saindo quando foi casar com Rute, já empregado no Porto de Maceió, a pedido de meus pais ao Dr. Antonio Mafra, acompanhando todos os estágios de seu desenvolvimento e sempre presenteando-o, e José Maurício Breda, filho do Sr. Carlos Breda e D. Dulce, talvez seu maior amigo, inclusive papai trabalhou muitos anos para ele, mais admiravam-se demais, inclusive nossas famílias eram muito assíduas, vibrou quando seu querido afilhado casou-se fugido com a Jujú, filha do Dr. Ib, seu colega de colégio, correu para a casa do Sr. Carlos a fim apoiar o acontecimento.Até hoje formam um belíssimo casal, como eu já com netos.
Também dentre os mais de trinta sobrinhos, tinha predileção por Betuca, filho de Mario e Eduardo Santa Maria filho de Áurea e Moisés, com eles fez muitas farras e passeios.
Tinha uma afeição toda especial pelos netos. Após a separação, todos os sábados ia a pés da Avenida da Paz ao farol busca-los na casa de Bebé e os levava para um bar das imediações para tomarem sorvetes e comerem bombons, enquanto tomava cerveja; Depois, com o nascimento de meus filhos, sempre nos reuníamos nas férias e feriados na nossa casa de praia na Lagoa do Pau, nos Hotéis do Sol, em Caruarú, e Sanatório em Garanhuns, dentre outros era verdadeiramente idolatrado por eles.
Em todos os natais, já era praxe, comprava vários Tender para os filhos e amigos mais chegados.
Memorizo um fato acontecido comigo, quando ao chegar a minha casa no farol para jogarmos, mostrei-lhe uma Portaria do TC onde trabalhava, transferindo-me para a Assembléia Legislativa como unuência, para exercer o cargo de Procurador, pois tinha aberto mão do mesmo anos antes em favor de Paulo Jucá, em conseqüência tinha perdido, pois, não existia outro cargo no TC e sim na Assembléia, o que era justo e legal, entretanto ao ver o documento, afirmou que era legal mas imoral.
No outro dia solicitei o arquivamento do processo. Ao informar meu ato, ele vibrou, dizendo foi a atitude correta.
Como não precisava nos ajudar financeiramente, papai fez uma poupança em nome de todos os netos e, acredito que não pensou que viveria tanto, não aumentou seu patrimônio que se restringiu a nossa casa, que Bebé vendeu para comprar um apartamento, e perdeu o dinheiro com o decreto do Collor.
Era um emérito andarilho, dificilmente utilizava seu carro, todo dia ia a pés para a cidade comprar os novos lançamentos de discos e tomar uma com os amigos e alunos.
Sempre foi um católico praticante, indo a missa todos os domingos com a família, inclusive confessava-se e comungava regularmente.
Aos domingos quando não íamos almoçar na casa do Sr. Carlos Breda e D. Dulce, compadres e velhos amigos, fazíamos refeições nos restaurantes Colombo, Bar das Ostras, Fênix e ..Miguel.
Todos os anos, nas férias escolares sempre passávamos um mês no Hotel Sanatório em Garanhuns, mas não deixava de levar sua inseparável Remington; enquanto mamãe e nós nos deliciávamos com os lazeres , ele ficava horas realizando seus trabalhos, mas adorava os drinks e papos com Capiba , Dr. Antonio Carlos e outras figuras assíduas .
Com o falecimento de Virginia, sua última irmã, não tinha como ficar na Avenida da Paz, pois a casa era enorme e tornara-se uma zona comercial, inclusive trazendo recordações traumáticas.
Sua mudança para um apartamento térreo na rua Dr. Antonio Cansanção, foi uma necessidade, mas teve problemas como o tamanho do mesmo, a desastrada transferência de sua coleção de discos, a piora de sua saúde, dentre outros.
No termino de sua vida, precisou de três pessoas para ajudá-lo, dentre elas destaco o Zequinha que o tratava com o maior zelo, recebendo reciprocidade de Papai, e vários remédios que consumiam valores além de sua aposentadoria, todavia nada lhe faltou, graças a Deus. A Bebé ficou responsável pela administração do apartamento, visitando-o todos os dias, eu ia toda terça feira para nosso joguinho e mais duas vezes na semana para conversarmos.
Contudo, nos últimos anos de vida sentia falta dos amigos e alunos, principalmente depois do AVC...quando não pode mais andar o que o deixava deprimido, sem razão para viver. Embora muito religioso, vivia pedindo a Deus uma morte rápida.
Não tinha as mínimas condições de viver na atual conjuntura com essa inversão total de valores e princípios.
Homens dessa dimensão e desse naipe já não encontramos.
Todo dia agradeço a Deus, por ter-me dado a oportunidade de viver e conviver com o PROFESSOR BÉU.
No calendário do tempo o dia 30 de janeiro é dedicado ao Dia da Saudade. Quem de nós não tem saudades? Saudade rima com felicidade e eternidade.
Coelho Neto, o grande escritor, costumava dizer que “a saudade tem sua casa que é a memória e tem outra que é uma cabana pequena situada a um canto do coração”. Na literatura vemos que a saudade é tema de muitos escritores. Cada um de nós tem muito o que recordar, na imensidão dos tempos que se foram, das cenas de nossa infância vividas com alegria.
Se fecho os olhos e volto a rememorar a gostosa fase da minha infância lá no Parque Gonçalves Ledo, passeando de bonde com meu pai e meu avô, jogando pião, sinto-me transportado a um mundo distante, com meus 10 anos dentro da vida, quando vivia a minha meninice, para quem as perspectivas do mundo eram para mim ignoradas. Na minha meninice, ainda de calças curtas, o pião foi um dos brinquedos que mais me seduziram. E raro era o menino do meu tempo que não trazia, em um dos bolsos, seu pião, com o respectivo cordel, como arma de luta, pronto para atender ao convite de um desafiante.
Diz o poeta: “Saudade palavra doce que traduz tanto amargor/saudade é como se fosse espinho cheirando a flor”.
Centenas, milhares de definições existem de saudade; resta-nos curti-la. No silêncio da noite, nos momentos de paz, olhando as fotografias do passado, recordamos momentos vividos que se foram. Saibamos viver o dia de hoje com alegria no coração, pois, com certeza, ele será motivo de saudade amanhã.
É um prazer reviver outros tempos, como é bom não querer esquecer, só pensando nos tempos de outrora e na rua que nos viu nascer.
Caminhando nós seguimos em frente, pensando no passado e sentindo saudades dos tempos que se foram e que jamais voltarão: a nossa casa, a nossa escola, os nossos amigos do passado, nossas brincadeiras de criança. Agora tudo mudou. Os tempos saudosos se foram. Só ficou a saudade guardada com emoção em nosso coração.
Cultivemos a gratuidade. Na realidade as melhores coisas da vida não são pagas: a própria vida, o sol, o luar, gestos de fraternidade, as grandes amizades, o carinho dos pais e dos avós, e a convivência com os amigos. Isso tudo devemos preservar para que no entardecer da vida possamos aumentar as nossas defesas com os bons pensamentos que nos invade a alma, recordando momentos de felicidade vividos no passado. Isso se chama saudade.
(*) É médico (mhenio@hs24.com.br).
Caro Waldo Final da década de 50, acho que 1958, caçada de marrecos e paturis no Gregório com Rafael Perrelli, Alberto e Waldo, tendo seu Maximiano o velho morador da propriedade com vivencia grande na região. Fizemos a incursão na 1ª lagoa no entardecer do sábado e preparamos tudo para o amanhecer do domingo. Não esperávamos que a noite fosse de terror, com aqueles objetos piscando e pousando nas baronesas a cerca de 1 km da casa grande, e depois subindo verticalmente sem barulhos que identificasse qualquer tipo de aeronave por nós conhecida e sobre nossas cabeças cruzou os céus. Amedrontados com espingardas em punho, discutíamos se deveríamos ir ao encontro dos tripulantes ou se entravamos na casa grande e fechávamos as portas, após ouvir do velho e experiente Maximiano que em toda sua vida nunca tinha visto nada semelhante. Depois de colocarmos na boca de Rafael o apito de chamariz de marrecos enquanto o mesmo tentava dar um cochilo no ventilado terraço, o mesmo acordou-se inteirou-se do assunto e também ficou na dúvida se pegaríamos uma lanterna e armados íamos até o local ou simplesmente entravamos para a casa. O silencio se deu até tarde da noite até que a aeronave acendeu as luzes subiu na vertical e sem qualquer barulho passou em cima da casa grande com altura de cerca de 200m e se mandou. Não sei porque , dias depois jornalistas no coreto , eu batendo um racha, me chama e pergunta se posso dar entrevista sobre discos voadores , confirmando a versão de Perrelli, quando de maneira simples e sem querer me envolver, disse que procurasse Waldo que detinha todas as informações e era o dono do Gregório. Waldo, são passados somente 50 anos e acho que estou de memória contribuindo demais com a sua própria versão. Aguardo a sua versão oficial para entrar no Blog dos Meninos da Avenida. Abraços Alberto
O primeiro encontro de 2009 foi dia 8 de janeiro no Picuí com presença de alguns meninos que moram no "estrangeiro" como Zé e Petrúcio Ramalho, e Hélio Fontes , que mandou as fotos. E mais: Paulo, Quico, Carlito , Cuca, Betuca, Guilherme , Tinho e Geraldinho.
“Menino é bicho malvado”, dizia o sábio Antônio Luiz, barraqueiro da Usina Santa Amália. Essa sentença não traduzia desamor para com as crianças. Exprimia simplesmente a observação de que, por falta de experiência, as crianças não conseguem assumir a posição de quem sofre. A lembrança de fato acontecido em minha infância convenceu-me de que o velho filósofo estava certo: a título de curiosidade, meu amigo Zé Benedito e eu colocamos uma lata vazia sobre um frangote, apanhado no terreiro; consumada a prisão, apanhamos dois tarugos de madeira e tamborilamos por algum tempo sobre o fundo da lata transformada em prisão; terminado o batuque, levantamos a lata; vimos a pequena ave, aos tropeços, sem prumo nem rumo; mais parecia um bêbado, em estágio precomatoso. O sofrimento do animal, não gerou compaixão; pelo contrário, fez-nos rir às gargalhadas. Hoje, enxergo com reserva o teorema de Antônio Luiz. Não o considero errado, mas demasiadamente restritivo. Para mim, correto seria dizer que “o homem é bicho malvado”. Uma circunstância atual me trouxe a essa convicção. Consideradas as devidas proporções, a experiência do pinto na lata está sendo repetida em escala infinitamente maior e mais cruel. Desde dezembro último, os jornais dedicam amplas manchetes a um fato horripilante: o exército de Israel – o mais bem preparado e equipado do mundo – cercou, em exígua faixa de terreno semideserto, um milhão e meio de seres humanos desarmados e indefesos. A seguir, decretou o mais absoluto embargo de água, alimentos, calefação, medicamentos e assistência médica. Num requinte de maldade, nega às pessoas encurraladas a possibilidade de fugir. Consumado o cerco, o portentoso exército passou a despejar por terra, mar e ar milhares de bombas, algumas, de fragmentação. Mulheres, crianças, velhos e civis inocentes, são exterminados indiscriminadamente. A desesperadora situação em que se encontra esse milhão e meio de criaturas consegue ser pior que aquela em que se encontrava o infeliz galináceo torturado por mim. O Holocausto a que está submetido o povo, na Faixa de Gaza é certamente tão cruel e covarde quanto aquele praticado no gueto de Varsóvia. Os sionistas, vítimas do nazismo, revelam-se tão cruéis quanto seus algozes. O gueto de Gaza convenceu-me: malvado mesmo é o bicho-homem. (*) É escritor e ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça/STJ. (GAZETA DE ALAGOAS - OPINIÃO - 14/JANEIRO/2009)