Tarde de maré cheia na Avenida da Paz, ou íamos pular da Ponte do Salgadinho, no lado da praia, ou íamos ao primeiro Trapiche, também pular nas águas do mar.
O Trapiche tinha quatro alturas diferentes para pularmos, a primeira era a plataforma, na grade do portão, que até a metade de sua altura, as tábuas de madeira que o formavam, eram no sentido horizontal, e daí para cima, eram no sentido vertical, nessa metade ficava o segundo ponto de mergulho.
O terceiro e quarto era no telhado de zinco, a cumeeira, o ponto mais alto, poucos se atreviam a pular, não só pela altura, como também pelo impulso que tinha de ser dado para cair distante, pois as pilastras de madeira da sustentação do trapiche, neste lado, que era o final, eram salientes para fora, e o telhado como chamávamos, era a parte mais baixa.
A novela começava para eu subir, como sempre fui muito gordo, era o maior sacrifício, necessitava da ajuda dos amigos, da grade para o telhado, era necessário que um amigo ficasse de cócoras no meio da grade, onde terminava as tábuas horizontais, eu colocava os pés nos seus ombros, e ele com muita dificuldade, em função de meu peso ia ficando em pé, para eu alcançar o telhado, onde tinha uma abertura, que nessa situação eu ficava com a cintura no nível mais baixo do telhado, e com um pouco de esforço conseguia subir.
Certa vez criei coragem e me atrevi a pular da cumeeira, cai de barriga e fiquei afundando e subindo a tona, foi quando os amigos perceberam e mergulharam e me seguraram com a cabeça fora d’água, até eu recuperar, não morri porque não era o dia. Não me amofinei, subi outras vezes e pulei, para não ficar com medo.
Além de nós da Avenida, vinham amigos da Praça Sinimbu, Rua do Uruguai, Praça Rayol, Praça Treze de Maio, Centro e até da Pajuçara.
Não vou citar nomes para não pecar por omissão, citarei apenas o do Marinho, Mário Ferrário, apelidado de Mário Doido, morava na Praça Sinimbu, era o menor em estatura, não sei se em idade, mas era um raio, tanto para subir como para pular, faz anos que não o vejo.
Quando estávamos satisfeitos do banho, começávamos a fazer batucada no zinco, até o vigia aparecer, vinha em um dos carrinhos impulsionado com uma vara, que deslizava sobre trilhos, e transportava sacos de açúcar do armazém até o final do Trapiche, e através de um pequeno guindaste, para as barcaças, seguindo para os navios que ficavam a certa distância da praia.
Quando notávamos que o vigia estava chegando, começávamos a cantar, o galo canta e o macaco assobia....................,pulávamos na água e íamos nadando até próximo as nossas casas.
Algumas vezes o vigia ia dedurar ao nosso Pai, que era Agente da Companhia Nacional de Navegação e Costeira, e o escritório era em Jaraguá, onde hoje é a Sede e Auditório da Asplana.
Dificilmente ele brigava, geralmente dizia a nossa Mãe, os seus filhos andaram mexendo com o vigia do Trapiche, nossa Mãe era quem dava a bronca.
Ficávamos muitas vezes ali mesmo nas proximidades do coreto, tomando nas ondas grandes, como chamávamos, expresso, que depois passou a ser chamado de jacaré , no peito e na raça, o que hoje é com prancha.
De vez em quando pegávamos um para vítima, tirávamos-lhe o calção, levava para avenida e pendurava numa amendoeira e íamos para casa.
As vezes aparecia uma alma bondosa e prestava socorro, quando não, o jeito era esperar anoitecer, se lambuzava na areia seca para disfarçar, e ia pegar o calção em cima da amendoeira, para poder ir para casa.
Era assim os meninos livres e felizes da Avenida da Paz, que na impossibilidade de voltar, nos consola as lembranças.
Hoje pais de família, a maioria avós, e que nem os filhos nem os netos tiveram ou terão infância igual a nossa.
Deus seja louvado.
PAULO RAMALHO – novembro/09